Palestina: o imoderado Marcelo e não só

Até Sua Exa, o Presidente da República, resolveu fazer de extremista e pedir moderação, com o argumento de que Israel comete aquela barbaridade porque os palestinianos estavam a pedi-las e começaram.

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O conflito entre Israel e os palestinianos resulta da violação do direito internacional por parte de Israel, seja negando a possibilidade da edificação do Estado palestiniano incumprindo a Resolução 242, seja quanto a Jerusalém Leste que deve ser a capital do futuro Estado, seja alargando os colonatos com colonos armados, seja pela negação aos palestinianos dos mais elementares e direitos (circulação, propriedade, organização). O facto de em Israel haver eleições (o que é positivo) não o absolve da ocupação ilegal da Palestina e dos crimes para a manter.

Só por acédia o Ocidente não o quer ver. Vale a pena recordar que Israel recusava qualquer negociação com a OLP porque esta não reconhecia a existência do Estado de Israel. Em Argel, em 1988, o Conselho Nacional Palestiniano reconheceu a existência de Israel e defendeu a solução para o conflito com a criação de dois Estados, Israel que já existia e a Palestina a criar. Foi assim removido o argumento que Israel usava para se apresentar ao mundo como vítima dos terroristas da OLP.

Apesar do passo certo dado pela OLP muito pouco mudou do lado israelita. É importante que se diga que para Israel era fundamental quebrar a legitimidade da OLP enquanto organização de cariz patriótico, laico e ligado aos países Não Alinhados. Por isso ajudou objetivamente a criar o Hamas, como é conhecido. Para quê? Fazia falta a Israel apresentar os palestinianos como uma organização fundamentalista, ligada a movimentos islamistas que defendem a aplicação da sharia. Neste contexto, arrastaram as negociações com Yasser Arafat para um beco sem saída, criando, face às violências diárias da ocupação, um desespero que o Hamas soube aproveitar.

Quando se realizaram trocas de cartas entre Yasser Arafat e Yitzhak Rabin, reconhecendo a OLP Israel e Israel a OLP, como representante dos palestinianos, um judeu fanático encontrou maneira de assassinar Rabin.

Daí em diante os dirigentes israelitas tudo fizeram para enfraquecer a OLP, sabendo que quem ganharia com a situação seria o Hamas. Na verdade, a política de negociações sem fim à vista e sem concessões minou o apoio francamente maioritário da OLP em Gaza e na Cisjordânia.

Em Gaza, o Hamas acabou por ganhar as eleições, o que constituiu motivo para Israel bombardear o aeroporto, cercar como se fosse uma prisão a céu aberto o território e deixar os palestinianos cercados e humilhados na sua própria terra.

Israel precisava de apresentar ao mundo esta falaciosa premissa – ou nós ou a barbárie. Só o Hamas servia este desígnio.

Bastava que Israel abrisse as portas de Gaza, criasse as condições para aquela população desfrutar das mais elementares liberdades e o apoio ao Hamas ir-se-ia esfumando. Apesar de se realizarem eleições em Israel, há mais de cinco mil presos palestinianos.

Israel não quer lidar com organizações moderadas e democráticas palestinianas, quer lidar à lei da bomba e, por isso, o Hamas é a organização que lhes serve às mil maravilhas, mesmo quando a criatura ultrapassa todos os limites do criador.

Há quem queira passar por cima desta realidade tentando sem qualquer utilidade fazer dos outros idiotas, defendendo a barbárie necessária contra a barbárie desnecessária. Como se a barbárie de assassinar civis israelitas justificasse a barbárie de lançar o equivalente a duas bombas atómicas como a que explodiu em Hiroshima, ou seja, mais de 25.000 toneladas de explosivos sobre uma população indefesa.

Até Sua Excelência, o senhor Presidente da República, resolveu fazer de extremista e pedir moderação, com o argumento de que Israel está a cometer toda aquela barbaridade porque os palestinianos estavam mesmo a pedi-las e começaram. Cavaco nunca condenou o regime do apartheid, Marcelo Rebelo de Sousa também não condena a barbárie levada a cabo por Netanyahu. Como é possível falar de moderação… 70 toneladas de explosivos por quilómetro contra os palestinianos. 4000 mil crianças mortas… Que crueza imoderada.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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