O desafio para a Igreja Católica em lidar com autores de abusos sexuais na instituição

A presença de certos fatores de risco na vida de pessoas que praticaram abusos sexuais tem sido associada a um maior risco de reincidência.

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Ainda que de forma hesitante, nos últimos anos a Igreja Católica tem reconhecido e enfrentado o problema dos abusos sexuais dentro da instituição. O Papa Francisco tem feito declarações e tomado medidas concretas para combater os abusos sexuais, incluindo a criação de comissões especializadas para lidar com essas questões que, por sua vez, têm vindo a sugerir a implementação de novas políticas de proteção infantil e juvenil nas diversas dioceses por todo o mundo. Seguindo este caminho, em Portugal, após o estudo inicial realizado pela Comissão Independente, foi constituído o Grupo Vita, um grupo de profissionais isento e independente, que tem como objetivo acolher, escutar, acompanhar e prevenir as situações de violência sexual de crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica em Portugal.

Assim, contrariando a postura de impunidade, desvalorização e de ocultação sistemática observada durante séculos, várias conferências episcopais e dioceses têm implementado políticas mais rígidas em relação à prevenção de abusos, bem como um processo mais célere de denúncia de casos às autoridades civis e canónicas. Estes esforços da Igreja continuam em desenvolvimento, e ainda há desafios que necessitam de ser ultrapassados para garantir que a proteção de crianças, jovens e adultos vulneráveis seja de facto uma prioridade em todas as dioceses e institutos religiosos. Uma das questões que importa clarificar diz respeito ao possível retomar de funções de padres ou leigos, após o processo de responsabilização penal por terem praticado abusos sexuais.

Em Portugal não são conhecidos critérios explícitos sobre este processo decisório.

Contudo, de acordo com o entendimento de grande parte dos católicos, mesmo alguém que tenha cometido erros graves, como os abusos sexuais, ainda pode procurar e receber o perdão pelos seus comportamentos. A ideia é que a transformação pessoal e espiritual é possível para qualquer indivíduo, independentemente dos erros do passado. Neste processo, manifestar a responsabilidade pelos abusos e aceitar de forma sincera essa culpa é essencial para que exista essa mudança. Estando estas condições cumpridas, será este o racional que os decisores têm em mente, assumimos nós, ao deliberar que alguns dos padres e leigos que abusaram sexualmente de alguém sejam reconduzidos nas suas funções.

Mas no âmbito da violência sexual, uma decisão apenas sustentada neste critério espiritual comporta riscos significativos, algo que qualquer serviço de reinserção social na sociedade civil dificilmente arriscaria autorizar. Isto porque, embora seja compreensível e legítimo o interesse em reinserir profissionalmente a pessoa, as investigações demonstram que a presença de certos fatores de risco na vida de pessoas que praticaram abusos sexuais tem sido associada a um maior risco de reincidência, tais como a assunção de certas normas e valores relacionados com a sexualidade, sentimentos de inadequação em várias áreas das suas vidas, problemas de controle de impulsos, especificidades ao nível da personalidade, experiências traumáticas anteriores não resolvidas ou problemas de saúde mental não diagnosticados. Acresce um fator de risco primordial, a falta de participação em programas de tratamento especializados e a não adesão às recomendações psicoterapêuticas, que podem aumentar a probabilidade de reincidência.

Os profissionais de psicologia e psiquiatria recolhem e analisam informações relativas às características dessa pessoa, ao seu passado, ao seu caso presente ou a outras situações e circunstâncias para tomar uma decisão. Este é mais um desafio central para a Igreja Católica neste momento, a aceitação da complementaridade da apreciação espiritual e canónica e, ao mesmo tempo, a ponderação sobre os resultados de uma avaliação técnica, psicológica e psiquiátrica, do risco de reincidência. A transparência em todos os processos é crucial e a Igreja deve ser integralmente aberta sobre as suas ações para lidar com os casos de violência sexual.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Pode contactar o Grupo VITA através do telemóvel 91 509 0000 ou do email geral@grupovita.pt. Saiba mais sobre nós em www.grupovita.pt.

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