Rectificação: Os vinhos IG podem levar 15% de vinhos de outras regiões, os DOC não

Comissão Vitivinícola Regional Alentejana rectifica que apenas vinhos com Indicação Geográfica podem usar 15% de vinhos de outras regiões e comenta crónica de Pedro Garcias. Autor corrige e responde.

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Mafalda Melo
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Rectificação à crónica “Há um mar de vinho em Portugal e uma crise à porta”

Na crónica “Há um mar de vinho em Portugal e uma crise à porta”, publicada a 14 de Outubro de 2023, Pedro Garcias escreveu:

“Não é possível impedir a importação de vinho. As fronteiras entre regiões são demasiado permissivas e há casos em que até se abre a porta ao ladrão. No Alentejo, por exemplo, os vinhos DOC podem levar 15% de vinhos de outras regiões do país. Imaginam a tentação?”

A afirmação proferida não é factual, merecendo por isso a presente nota de correcção:

1. Os vinhos com Denominação de Origem Controlada (DOC) do Alentejo são produzidos com recurso exclusivo a uvas provenientes da zona geográfica que está delimitada (Portaria n.º 296/2010).

2. Como qualquer DOC do sector vitivinícola europeu, não existe possibilidade de ser de outra forma, tal como está definido pelo enquadramento legal da União Europeia.

3. A certificação da origem e dos standards de qualidade do vinho DOC Alentejo é feita pela CVRA através da aplicação de normas internacionais (ISO 17065 e ISO 17025), sendo o organismo auditado anualmente para verificação do seu cumprimento, incluindo a verificação da origem e rastreabilidade das uvas utilizadas para a produção dos DOC Alentejo.

4. O conteúdo do artigo refere que “… há casos em que até se abre a porta ao ladrão”, referindo depois o Alentejo a título de exemplo, com a afirmação que o DOC Alentejo pode “levar 15% de vinhos de outras regiões do país”, complementado com a questão ao leitor: “Imaginam a tentação?”. Esta redacção pode sugerir que os produtores de vinho DOC Alentejo utilizam práticas (que não são legais), levando até aos consumidores um produto que não é exclusivamente originário da DOC Alentejo.

5. A falsa afirmação denigre o trabalho dos 125 agentes económicos que nos últimos cinco anos colocaram anualmente no mercado cerca de 20 milhões de litros de vinho DOC Alentejo, fere a credibilidade e seriedade do trabalho diário que é desempenhado pela CVRA no controlo e certificação dos vinhos DOC Alentejo e da Indicação Geográfica Alentejano e põe em causa a notoriedade e reputação dos vinhos da região vitivinícola do Alentejo.

6. O jornalista, também identificado no artigo como produtor de vinho, deverá conhecer a profundidade das regras legais do sector vitivinícola e também quais as entidades públicas reguladoras. Pelo que, já que optou por não contactar a CVRA (que não é uma entidade pública), justificar-se-ia uma verificação prévia.

7. Por último, e admitindo que Pedro Garcias cometeu um mero lapso e escreveu DOC Alentejo quando queria escrever vinho Regional Alentejano (a designação a que os consumidores estão acostumados para os vinhos com Indicação Geográfica Alentejano), confirmamos que na UE, e, por conseguinte, em todas as regiões vitivinícolas de Portugal, é possível que os vinhos com Indicação Geográfica sejam produzidos com 15% de uvas originárias de outras regiões do país de origem. E também confirmamos que, por determinação do Instituto da Vinha e do Vinho/Ministério da Agricultura, os referidos 15% podem ser de uvas, mostos ou vinho.

8. A CVRA, após votação em Conselho Geral, formalizou ao Ministério da Agricultura, por duas vezes, pedidos de alteração da legislação referente à produção de IG Alentejano (Portaria n.º 276/2010), para regular a utilização dos 15% de uvas, mosto ou vinho originários de outras regiões. A primeira vez, em 16/11/2017, requeria que fosse legislado que a produção de IG Alentejano acontecesse com uvas exclusivamente provenientes da região do Alentejo, o que não foi aceite por não recolher amplo apoio por parte dos representantes do comércio e da produção. A segunda vez, em 26/07/2019, requeria que a utilização dos 15% de uvas, mosto ou vinho originários de outras regiões produção de IG Alentejano seria sempre a título de excepção e activada por deliberação do Conselho Geral, não tendo sido aceite pelo Ministério por não ser oportuno alterar as regras em momento próximo da vindima.

Francisco Mateus, presidente da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana


A resposta de Pedro Garcias

A CVR do Alentejo tem razão. Cometi, de forma não intencional, um erro: a possibilidade de utilizar 15 por cento de vinho de outras regiões só existe para os vinhos IG (com Indicação Geográfica), não para os DOC. As minhas desculpas por esse erro.

No entanto, esse lapso não elimina o essencial, uma vez que os vinhos IG também são certificados pela CVRA. Provêm de vinhas da região situadas fora da delimitação das oito áreas classificadas para vinhos DOC (Portalegre, Borba, Redondo, Évora, Reguengos, Granja - Amareleja, Vidigueira e Moura), mas, dependendo das castas envolvidas, até mesmo vinhos das áreas DOC podem ser classificados como IG.

O que está em causa é a possibilidade de no Alentejo se engarrafarem vinhos com 15% de vinhos de outras regiões nacionais, o que é tentador e pode, de facto, abrir a porta ao ladrão (é um alerta, não uma afirmação). A prova de que a situação é estranha e perigosa está no facto de a própria CVR já a ter tentado mudar por duas vezes, como reconhece o seu presidente. Apesar do uso de 15 por cento de vinhos de outras regiões ser permitido pela União Europeia, não obriga nenhuma CVR a aplicar essa prerrogativa. O Douro e o Algarve, por exemplo, não a aplicam.

O assunto tem importância face à existência de stocks excedentários de vinho, tanto no Alentejo como noutras regiões do país, e à crescente importação de vinhos de Espanha e de outros países a preços tentadores. Por mais fiscalização que exista, não é possível controlar todo o circuito do vinho. É perfeitamente viável e plausível um vinho da região espanhola de La Mancha, por exemplo, entrar pelo Douro e uma parte acabar numa garrafa de um vinho do Alentejo. E também ao contrário.

A única forma de atenuar a fraude, perante a impossibilidade de proibir a importação de vinhos, é obrigar os operadores a colocar os vinhos importados num espaço próprio e independente, e não, como agora, na mesma adega onde estão os outros vinhos, sejam DOC ou IG. Ou seja, separar as galinhas da raposa.

Pedro Garcias, jornalista e produtor no Douro

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