O Coração Ainda Bate. Sem alarido

Inês Meneses escreve sobre uma distinção vital.

Nunca tinha pensado nisto até ela me dizer: “Confiança é diferente de segurança.” Fiquei confusa a tentar ganhar tempo ao pensamento, mas não fui capaz. Nunca antes me detivera nesta distinção, como quem compara fotografias para ver ambas com nitidez à procura de diferenças: confiança e segurança? Como é que se encaixam em mim de forma distinta?

Ela deve ter percebido a minha confusão, e então, como se fizesse um desenho lento, disse: “Pense nas pessoas em quem confia." Vieram-me quatro ou cinco à memória. "Agora, mesmo confiando nelas, tem de se atirar de costas e pensar que elas estão lá. Sente essa segurança?” Percebi pela imagem o exemplo que me dava. Enquanto ela falava, via-me a atirar sem hesitações de costas para todos eles. "Que sorte", pensei. E a imagem ficou na minha cabeça nos minutos que nos restavam daquela sessão.

É agora possível perceber a diferença entre confiança e segurança, embora uma reforce a outra. Confiamos em várias pessoas (se tivermos essa sorte), mas quando estivermos de olhos vendados, estaremos seguros de que nos guiarão?

Muitas pessoas escrevem-me, desencantadas com a vida. Outras, como eu, gratas, apesar de... Neste "apesar de" cabe muito mais do que meia vida. Sei que, em muitos casos, más experiências deram lugar a outras piores, e os braços vão caindo à medida que o desânimo toma conta de nós. A falta de esperança é um filtro que nunca mais nos vai deixar agarrar a força das manhãs da mesma forma, ou aguentar o fim do dia sem uma angústia que nos devora. O fim do dia é um caminho com duas saídas: a angústia ou a melancolia. A melancolia pode ser doce ou mais pesada, mas a angústia não conhece alternativas.

Não sei sequer se somos educados a confiar nos outros e a viver com essa segurança dentro de nós. Duvido. A minha mãe, que me agarra em todos os momentos mesmo agora não estando viva, ensinou-me o mais importante: “Fazer o bem sem olhar a quem.” É esse trilho que tento seguir. Não preciso de nenhuma igreja para me ensinar isto. A bondade das pessoas constrói-se por elas próprias quando houver essa sorte, a de não vir de um meio que já era um pântano onde dificilmente não se ficaria atolado. Ainda assim a minha fé permite-me acreditar nelas. É possível sair de lá, do pântano. Só que o esforço terá de ser maior. Já agora, porque falei de fé e igreja: nunca confundir ambas. A fé sobrevive à igreja. A igreja é que não sobrevive à falta de fé.

Voltemos agora ao mais importante desta semana: essa espécie de epifania na descoberta entre o que é a confiança e o que é a segurança e ambas estarem longe de ser a mesma coisa. Baseamos a nossa vida na confiança dos pequenos e dos grandes gestos e, atenção, que muitos deles não são garantidos: basta pensar na forma como nos atiramos para uma passadeira na estrada. Eu atravesso, mas não me atravesso por aquelas pessoas. Eu confio que aquelas pessoas vão cumprir as regras instituídas de forma cívica, mas não estou segura de que elas as respeitem. Atravesso a medo, portanto. Com aquelas pessoas que me vieram de imediato à memória em mais uma sessão de terapia, atiro-me sem medo. Estou segura de que não me vão passar por cima, pelo contrário: estarão ali debaixo para me suportar na hora da queda. Todos caímos. Também estou segura disso.

Há muitas pessoas à nossa volta. Umas gritam aos sete ventos que são nossas amigas e o quanto valemos. Depois há aquelas que não precisam de alarido nenhum e no silêncio nos seguram. O meu mundo faz-se com estas.

O coração ainda bate.

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