A enguia-fantasma foi avistada pela primeira vez em Portugal. Pode ser uma ameaça?

Espécie de enguia do indo-pacífico foi observada em Porto Covo. Não se sabe ainda o efeito que terá no ambiente: pode simplesmente ser uma nova enguia a viver em Portugal ou vir a ser uma invasora.

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A enguia-fantasma encontrada no oceano Atlântico DR
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A enguia-fantasma foi avistada pela primeira vez em Portugal. O avistamento foi feito durante um mergulho nocturno em Porto Corvo e é agora anunciado por dois investigadores na revista científica Marine Pollution Bulletin. Esta espécie de enguia do indo-pacífico nunca tinha sido observada no Atlântico e os cientistas admitem que olham para este avistamento com alguma apreensão.

Tudo aconteceu num mergulho nocturno no final de Agosto de 2022. O investigador Joaquim Parrinha mergulhava nas águas de Porto Covo e observou uma espécie de enguia branca que se enrolava como uma “tira de papel”. A observação foi feita a cerca de um a dois metros de profundidade, junto ao porto de pesca de Porto Covo. O cientista do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (Mare) da Universidade de Coimbra acabou por filmá-la e enviar o registo a Sónia Seixas, sua coordenadora e também cientista do Mare.

Quando viu as imagens, Sónia Seixas não teve grandes dúvidas: era uma enguia da espécie Pseudechidna brummeri, vulgarmente conhecida como “enguia-fantasma”. A cientista conta, num comunicado com o anúncio da descoberta, que o vídeo mostrava bem a identidade da espécie: “Esta espécie tem a particularidade de se enrolar de um modo muito específico parecendo uma ‘tira de papel’. O exemplar observado estava bem activo e aparentava uma boa condição física”, descreve.

O toque final da identificação desta enguia foi feito com a elaboração de um artigo científico. Através desse trabalho, outros cientistas confirmaram que se tratava, de facto, da Pseudechidna brummeri. A descoberta já foi publicada online no site da Marine Pollution Bulletin e o artigo será publicado em papel na versão de Novembro da revista. “Demorámos a publicar [a descoberta] pois queríamos estudar o assunto em profundidade”, justifica a também professora da Universidade Aberta.

E que espécie de enguia é esta? É uma predadora nocturna que costuma caçar pequenos peixes e crustáceos. Como é esbranquiçada, é conhecida como “enguia-de-fita-branca” ou “enguia-fantasma”. A equipa do Mare apenas encontrou um exemplar – aquele que foi filmado. No entanto, após uma reportagem deste fim-de-semana sobre a descoberta na SIC, Sónia Seixas diz ao PÚBLICO que foi informada de que terão sido avistados mais exemplares em zonas próximas daquela que foi filmada. Contudo, indica que esta informação terá de ser confirmada.

A cientista faz questão ainda de diferenciar a enguia-fantasma agora identificada e uma espécie que costuma ser usada para isco na pesca, que é vulgarmente conhecida como “tripa”. Esta tripa é um verme e tem o nome científico de Cerebratulus marginatus. Já a enguia agora avistada é um peixe ósseo e, como tal, tem esqueleto, cabeça e olhos. “Nas imagens, vê-se mal, mas ela, inicialmente, abre a boca e ameaça o mergulhador”, refere Sónia Seixas.

A enguia-fantasma é encontrada com frequência no Pacífico ocidental e no oceano Índico. Sendo o seu habitat mais frequente ainda longe, os investigadores questionam como terá chegado a Portugal. Por agora, há duas hipóteses, que são lançadas no artigo científico.

Como chegou a Portugal?

A hipótese mais provável é a de que tenha vindo em águas de balastro de navios, isto é, em águas do mar que o navio usa para estabilizar e permitir uma boa navegação, sendo inserida numa zona e largada noutra, consoante a carga transportada. Esta hipótese ganha força por a enguia ter sido descoberta perto do Porto de Sines. A outra hipótese é ter chegado a esta parte do mundo através de aquários caseiros, pois costuma ser uma espécie comercializada em aquários de água salgada.

Também não se descarta a possibilidade de a enguia já estar nas águas do Atlântico há algum tempo e só agora ter sido encontrada. “Uma enguia com estas dimensões, e devido ao crescimento lento que a espécie tem, pode já estar cá há vários anos e só agora ter sido detectada”, considera Sónia Seixas. Além disso, esta é uma espécie nocturna e durante o dia está escondida, o que terá feito que apenas agora, no tal mergulho nocturno, tenha sido avistada.

As questões sobre a Pseudechidna brummeri não terminam aqui. Esta enguia é uma espécie exótica – ou seja, foi introduzida fora da sua área de distribuição natural – e colocam-se algumas questões quanto ao perigo (ou não) que pode representar no Atlântico. Por agora, Sónia Seixas diz que essas ameaças são uma incógnita. “Pode ser apenas uma espécie que passe a habitar em Portugal, como muitas outras exóticas, sem problema nenhum”, nota a investigadora. “Ou pode vir a tornar-se uma invasora com efeitos nefastos no ambiente. Só o tempo e uma monitorização nos permitirão tirar conclusões.”

Neste momento, aquilo que se sabe é que a enguia avistada tem um tamanho considerado grande para a espécie, o que pode indicar que não tem predadores naturais no Atlântico. Para se ter respostas para todas estas questões, a cientista diz que espera arranjar financiamento para que se aprofunde o seu estudo.

No comunicado, os investigadores referem que ponderam lançar uma campanha de monitorização. Também estão a estudar medidas para evitar o aparecimento de outros exemplares da enguia-fantasma, caso se torne uma espécie invasora e passe a ter um impacto negativo no território em que vive. “Sendo proveniente do indo-pacífico, esta espécie traz-nos grandes apreensões, pois sabemos o que algumas espécies que foram introduzidas são nefastas para o ambiente”, realça Sónia Seixas. Um dos perigos que pode representar é tornar-se uma grande predadora de outras espécies, nomeadamente de espécies nativas. “Pode comer tudo e ninguém a come”, especula.

A enguia-fantasma foi encontrada perto da costa, mas não será um grande perigo para as pessoas. Como é uma espécie nocturna, não lhe parece que represente um problema para os banhistas nas praias. “Não será um grande perigo para as pessoas. Durante o dia, está enterrada e escondida. Gosta muito de ficar junto às rochas”, descreve a cientista. A enguia e os banhistas andarão assim desencontrados.

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