O sistema de governo e os atuais projetos de revisão constitucional

Apesar de ter votado a favor da Constituição na Assembleia Constituinte, em 2 de abril de 1976, tenho desde sempre preconizado aperfeiçoamentos.

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  1. O sistema de governo de 1976 foi moldado com a preocupação maior de evitar os vícios inversos do parlamentarismo de assembleia da Constituição de 1911 e da concentração de poder da Constituição de 1933.

O ponto mais delicado dizia respeito ao lugar do Presidente da República, ao seu modo de eleição e às suas competências. Ele não deveria ser um Presidente meramente representativo, nem um chefe de Estado equivalente ao do regime autoritário, nem tão pouco um Presidente próprio de um sistema presidencialista.

Poderia, sim, ser um Presidente arbitral, no âmbito do parlamentarismo racionalizado, ou um Presidente mais forte, dentro de um sistema semipresidencial (sem o seu poder se reconduzir ao poder moderador da Carta Constitucional de 1826). Optar-se-ia pela segunda alternativa, por a eleição por sufrágio direto satisfazer as reivindicações democráticas vindas de 1958 (aquando da candidatura de Humberto Delgado) e por traduzir o consenso que, através de várias vicissitudes, se havia formado na Assembleia Constituinte de 1975-1976 e que seria confirmado na primeira revisão constitucional, em 1982.

  1. O Governo é responsável perante o Presidente da República e a Assembleia da República – diz o art. 190.º da Constituição; porém, desde essa revisão em termos diversos.

É mais estreita a relação com a Assembleia em face das causas de demissão consequente das votações enunciadas no art. 195.º, n.º 1. Já o Presidente apenas pode demitir o Governo por exigência, segundo o art. 195.º, n.º 2, de regular funcionamento das instituições democráticas. Ali uma responsabilidade política stricto sensu, aqui uma responsabilidade política reconduzível a responsabilidade institucional.

  1. Os projetos de revisão constitucional agora em apreciação na Assembleia da República trazem, quase todos, alterações respeitantes às normas sobre organização do poder – quase todos com vista à sua melhoria ou à sua clarificação, com relevo para a necessidade de o número de deputados em cada círculo uninominal do território nacional ter de ser proporcional ao número de eleitores nele inscritos (art. 149.º, n.º 2 da Constituição).
  1. O único projeto que vai para além disso é o projeto apresentado pelo Partido Social Democrata, ao prescrever que o mandato do Presidente da República tem a duração de sete anos (art. 128.º), bem diferente dos cinco anos atuais (art. 128.º, n.º 1).

Em segundo lugar, modificando o regime de referendo, de modo a permitir a coincidência de referendo com a realização de eleições (e, portanto, eliminando o n.º 7 do art. 115.º).

Em terceiro lugar, reforçando as competências do Presidente da República:

  1. Nomeação do governador do Banco de Portugal, sujeito a audição parlamentar e com possibilidade de rejeição por voto expresso de dois terços dos deputados (eliminando-se a proposta do Governo) [art. 133.º, alínea m)];
  2. Nomeação dos presidentes das demais entidades reguladoras, sob proposta do Governo e sujeita a audição parlamentar [art. 133.º, alínea r)];
  3. Marcação também da data das eleições autárquicas [art. 133.º, alínea b)];
  4. Eliminação do “obsoleto” instituto da referenda ministerial de atos do Presidente da República (eliminação do art. 140.º).
  1. Não consta do projeto nenhuma justificação para as alterações assim propostas. Transparece nelas um intuito (pelo menos, objetivo) de recusa ou de ultrapassagem do sistema de governo semipresidencial:
  • O aumento de cinco para sete anos de duração do mandato presidencial como era a duração do mandato na Constituição de 1933 (a Constituição do regime autoritário de Salazar) ou como era, ao invés, a do mandato na Constituição francesa de 1946, da IV República (um puro sistema parlamentar);
  • Todavia, a ideia de presidencialização parece impor-se quer perante algumas tentativas nesse sentido quer, após 1974, a possibilidade admitida por alguns de coincidência de eleições e referendos (que poderia transformar essa eleição num plebiscito, no mau sentido da palavra).
  1. Apesar de ter votado a favor da Constituição na Assembleia Constituinte, em 2 de abril de 1976, tenho desde sempre preconizado aperfeiçoamentos (por último, no opúsculo Aperfeiçoar a Constituição, de 2021).

Tenho preconizado, no âmbito da organização do poder político, designadamente:

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