Pinho diz que criou Tartaruga para ocultar património e não para esconder subornos

Antigo ministro da Economia volta nesta terça-feira a prestar declarações no âmbito do julgamento em que é acusado de dois crimes de corrupção passiva, um de branqueamento e um de fraude fiscal.

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O antigo Ministro da Economia Manuel Pinho está a ser julgado no Campus da Justiça, em Lisboa. LUSA/ANTÓNIO PEDRO SANTOS
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Manuel Pinho explicou nesta terça-feira em tribunal que criou a Fundação Tartaruga para não revelar o seu património quando foi para o Governo, uma vez que como ministro da Economia tinha de preencher a declaração no Tribunal Constitucional.

O antigo governante nega que fosse para ocultar os alegados subornos que o Ministério Público (MP) diz que recebeu do “saco azul” do GES, mas confirma que recebeu nessa sociedade offshore 15 mil euros mensais, que justifica como sendo prémios a que tinha direito pelo seu trabalho no banco liderado na altura por Ricardo Salgado.

Na terceira sessão do julgamento, a propósito de um email que enviou em Janeiro de 2010 a Ricardo Salgado, onde lhe faz um relato, considerado pormenorizado pelos juízes, sobre o que tencionava fazer no futuro, Pinho conta que José Sócrates, na altura ainda primeiro-ministro, o convidou para o lugar de governador do Banco de Portugal, uma vez que Vítor Constâncio estava de saída.

Pinho diz que recusou porque estava determinado a ir dar aulas para os Estados Unidos. E acrescentou que a razão pela qual estava a contar a sua vida a Ricardo Salgado era porque tencionava manter com ele uma relação cordial. E porque pretendia, além disso, retomar no mês seguinte as negociações no que dizia respeito à sua reforma, uma vez que o Fundo de Pensões estava a colocar entraves ao pagamento da mesma.

Mas a juíza voltou a questionar Pinho porque aceitou receber os tais prémios sem os declarar, se sabia que estava a cometer um crime fiscal. O antigo governante confirmou que sim, sabia, mas que considera que pagou por isso ao regularizar tudo quando saiu do Governo ao abrigo do Regime Excepcional de Regularização Tributária (RERT) em 2012. E lembrou à magistrada que se tratou de um regime legal e aprovado em Assembleia da República.

Pinho voltou ainda a insistir que era o BES que impunha que recebesse os prémios por fora e que o fez consigo e com outras dezenas de pessoas. “Sabendo que era a prática de um crime, o BES exigia e o senhor cumpria? Se o BES lhe dissesse para ir matar uma pessoa também o faria?", questionou a juíza, ao que Pinho respondeu: “Um crime de corrupção é uma coisa. Se é um crime fiscal, é outra, e por esse crime eu já paguei.”

Questionado sobre a sua independência em decisões que pudessem envolver o BES, o antigo governante garantiu que sempre foi independente. Pinho negou alegados favores ao GES, como vem na acusação nomeadamente no que diz respeito aos Projectos de Interesse Nacional (PIN), Brisa, Águas do Vimeiro e a prova Ryder Cup.

"Os supostos favores não existiram. A acusação diz que continuava ligado ao BES e que tudo o que fizesse que envolvia remotamente o BES, por definição, estava infectado. Assim, acusar é fácil... Favoreci em zero o BES", sustentou, acrescentando: “O BES esteve envolvido em muitas situações em que que se alguém como eu não fosse verdadeiramente independente e não tivesse decidido como eu decidi podia ter mudado o destino do BES”, afirmou dando como exemplo a GALP.

“O BES queria ser accionista de referência, mas o Governo optou por outro caminho. Imagine que tinha sido o BES, outro galo cantaria. Não era uma boa decisão e o ministro da Economia não permitiu”, sustentou.

“Não percebo porquê ocultar património? Ter património não é crime? Trabalhou e recebia um salário normal por trabalhar para o privado. Devia estar confortável", questionou uma das juízas.

Ao que Pinho respondeu que” não estava confortável porque não o tinha declarado”. “Ah porque não queria que se soubesse que no passado recebeu pela porta dos fundos”, sublinhou a juíza.

Neste processo, o antigo ministro da Economia responde por dois crimes de corrupção passiva, um de branqueamento e um de fraude fiscal, enquanto a Ricardo Salgado o Ministério Público imputa dois crimes de corrupção activa e um de branqueamento. Já Alexandra Pinho responde por um crime de branqueamento e outro de fraude fiscal, ambos em co-autoria com o marido.

De acordo com a acusação, Manuel Pinho, enquanto ministro da Economia (cargo que ocupou de 2005 a 2009) e, depois, como responsável pela candidatura de Portugal à organização da Ryder Cup, uma competição de golfe, actuou em detrimento do interesse público, na prossecução de interesses particulares do Grupo Espírito Santo (GES)/Banco Espírito Santo (BES) e de Ricardo Salgado.

Segundo o Ministério Público, Manuel Pinho beneficiou projectos do GES/BES ou por estes financiados, nomeadamente projectos PIN (Potencial Interesse Nacional), como os das herdades da Comporta e do Pinheirinho.

Já Alexandra Pinho senta-se no banco dos arguidos porque constituiu com o marido a Fundação Tartaruga e outras sociedades para alegadamente ocultarem os pagamentos feitos por Ricardo Salgado a Manuel Pinho no âmbito do referido acordo. Segundo a acusação, a arguida tinha conhecimento desse acordo e foi dele beneficiária, recebendo nas suas contas bancárias elevadas quantias que teriam como destinatário final o marido.

Já o ex-líder do Banco Espírito Santo Ricardo Salgado está acusado de ter subornado o ex-ministro da Economia Manuel Pinho com valores superiores a cinco milhões de euros.

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