O Coração Ainda Bate. O casamento

Inês Meneses escreve sobre um “sim” que fica para sempre.

Eu tinha 20 anos e nós estávamos muito apaixonados. Conservo esse instante em que ao balcão do velho Labirintho, que nos dava saída para as noites todas, decidimos casar. Sim, eu disse: "E se nos casássemos?" E ele sorriu muito e acenou determinado confirmando: “Sim, vamo-nos casar”. E bebemos a nossa alegria toda, em shots intermináveis quando ainda o sabor impossível do álcool nos sabia só a alegria sem consequências. Seis meses. Esperámos meio ano e casámo-nos. Éramos uns miúdos e estávamos muito apaixonados. E assim vivemos contrariando as partidas que o destino nos pregou mais tarde, empurrando-nos para uma cidade onde não queríamos estar e na qual foi difícil a adaptação, a falta da família. O desapego urbano sem consolo. Fomos felizes, diria. Muito felizes.

Como foi há mais de 30 anos, sou levada a pensar que poderia já ter filhos dessa idade, mas nessa altura eu não pensava sequer em ter filhos. Pensava no que tínhamos pela frente. E já não era pouco.

Separámo-nos talvez cinco anos depois. Foi triste para ambos, mas esses indomáveis caminhos do amor levam-nos a misteriosas saídas. No dia em que assinámos o divórcio, selámos o fim do nosso casamento com um beijo na boca e fomos, cada um, à sua vida.

Nunca nos perdemos de vista.

Fica o amor quando foi mesmo amor. Quando se conjugou vezes sem conta o verbo amar sem parecer gasto. No meu caso, tenho sido uma mulher de sorte: continuo a amar cada pessoa a quem um dia disse “amo-te”. Nunca usei este verbo levianamente. Nunca recuei no verdadeiro amor. E uma vez amor, amor para sempre. É uma tatuagem invisível que está comigo: tem nomes que só eu vejo, embora eles saibam quem são.

Neste fim-de-semana reencontrámo-nos. No primeiro abraço saiu, sem medirmos as palavras, um “amor”. “ Então amor?”, disse ele. E assim seguimos cada um, hoje a viver vidas tão distintas.

Os amores são vidas que vamos coleccionando, não por querer, mas porque muitas vezes a vida nos empurrou para os vivermos. E seguimos, sim.

Estava igual aquele homem que um dia conheci miúdo, e ele a mim, esse homem que era rapaz ainda e que sabia dos meus medos, do que me fazia rir ou chorar. Cozinhámos juntos a primeira vez. Vivemos apertos que doem mais quando se tem vinte anos. Quando tudo isto nos uniu, como podemos alguma vez não ficar unidos para sempre? Ficámos.

Ali estava ele, agora um homem com filhos já com a mesma idade de quando nos conhecemos, em 1991. A vida passou entretanto por nós, deixámos que ela nos acontecesse. Às vezes não temos mão nela. Somos miúdos que acabam a ser engolidos pela estrutura medonha que é a vida. Mas nada nos alterou. Havia hoje nele o mesmo sorriso, o mesmo abraço. Estava feliz ao lado de outra pessoa, e eu também, mas o nosso espaço, o das pessoas que um dia se amaram, continua intacto.

Quando nos despedimos, havia naquele olhar uma coisa muito especial: era como se ele dissesse: “Eu conheço-te." Uma espécie de tesouro que conservamos misteriosamente e que guardamos pela vida fora.

O amor é uma carta que podemos escrever a várias mãos. Fica sempre lá o coração. Quando foi amor.

Éramos miúdos quando dissemos um ao outro que sim: nenhum de nós se arrependeu. Vivemos o amor pleno enquanto a vida nos permitiu. E assim o conservamos. Para sempre.

O Coração ainda bate.

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