Dezanove autarcas pedem “atenção redobrada” do Governo para problemas do Douro

O ‘Verão quente’ da região está a prolongar-se pelas primeiras semanas de Outono. Agora são os autarcas da Comunidade Intermunicipal do Douro a pedir à tutela “atenção redobrada” ao território.

Foto
O Douro está a ferro e fogo desde que em Setembro Marcelo Rebelo de Sousa foi à Vindouro pôr o dedo nas feridas da região Nelson Garrido

Os 19 autarcas da Comunidade Intermunicipal (CIM) do Douro querem que a ministra da Agricultura preste "atenção redobrada" aos "graves problemas" que existem na região demarcada mais antiga do mundo. Em causa, alertam a uma só voz, está a sustentabilidade económica, social e ambiental de todo um território.

"A hora é de união, sendo certo que consideramos que a reformulação do actual quadro legal e institucional, não desconsiderando as especificidades da região, é uma urgência", afirma a comunidade intermunicipal numa moção divulgada nesta terça-feira. A região demarcada do Douro está a viver um Verão quente a vários níveis, depois de, ainda em Julho, o abaixo-assinado "O Douro merece melhor" ter aberto feridas antigas e abertas há vários anos à vista de todos. A vindima ainda não tinha começado e já os velhos problemas da região abriam novas (velhas) discussões. No início de Setembro, Marcelo Rebelo de Sousa foi à Vindouro e falou do elefante na sala: era, é, preciso proceder a uma reforma regulamentar urgente na região. As suas palavras obrigaram todos, ou quase todos, a entrar no debate.

Nem agora, que a vindima está praticamente terminada no Douro, e apesar de a região registar um aumento da produção (como de resto acontece de forma generalizada com a produção de vinho no país), o assunto arrefeceu. Quebras nas vendas de vinhos, nomeadamente de vinhos do Porto, levou a que grandes operadores não tivessem comprado ou tivessem comprado uvas em menor quantidade aos produtores e muitos desses viticultores recorreram às adegas para entregar as uvas, que se queixam de problemas de armazenamento, temendo ainda dificuldades no escoamento dos stocks. Nos últimos dias, a Federação Renovação do Douro — Casa do Douro e a Associação da Lavoura Duriense propuseram ao Governo que houvesse uma destilação de crise para o vinho de 2023.

Para além de chamarem a atenção da ministra Maria do Céu Antunes para “os graves problemas que existem na região demarcada”, os 19 autarcas da CIM do Douro apelam à promoção de uma ampla discussão com os agentes económicos, ligados à produção e ao comércio, com os deputados que representam a região na Assembleia da República, com os autarcas e representantes institucionais, como o Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP) e Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N). “Entre outros que possam contribuir para uma solução final que promova a estabilidade económica e social da região”, sustentam os autarcas.

A Região Demarcada do Douro exporta anualmente cerca de 44% do valor total das exportações portuguesas de vinhos, e, neste território, o turismo tem crescido, designadamente o enoturismo. No entanto, lembram os 19 autarcas, “enfrenta, de há uns anos a esta parte, uma crise latente”, com “a insuficiente valorização do produto vinho, e consequente abaixamento dos preços das uvas, a desvalorização do património e o consequente abandono do território”.

Os edis apontam razões como a “sobreprodução da região, a diminuição de vendas de vinho do Porto e o baixo preço geral dos vinhos face ao seu real valor e custos de produção”.

E deixam, na moção enviada ao Governo, um conjunto de perguntas: “Estaremos perante um verdadeira crise de sobreprodução da região ou antes perante alguma ineficácia na promoção e procura de novos mercados e na diversificação das formas de apresentação dos nossos vinhos? Que outra actividade sobreviveria com preços de venda de há 20 anos e custos de produção que triplicaram na actualidade? Quem vende o produto de um ano de trabalho, sem saber ao certo que preço irá receber?”

Perguntam ainda como se explica “a expansão do consumo dos vinhos de Denominação de Origem Controlada (DOC)” num contexto em que “o vinho do Porto vê diminuídas as quantidades para exportação nos últimos anos”. Questionam “como entram na região alegadamente milhões de litros de vinhos e mostos alheios ao território da região demarcada”. E ainda: “Como decorreu e que efeitos produziu o processo da destilação de crise” lançado em 2023? A esse propósito, e numa resposta à Lusa, o Governo adiantou nos últimos dias que foi precisamente o Douro quem mais beneficiou da medida de apoio.

“A verdade é que os pequenos e médios produtores do Douro têm vivido e convivido com uma crise absolutamente asfixiante, que de ano para ano vai inviabilizando lenta, mas inexoravelmente a continuidade da sua actividade, estando criadas todas as (más) condições para pura e simplesmente serem centrifugados do sistema. Os dados do IVDP são elucidativos desta redução e esse processo vai acelerar”, salienta a CIM, que remeterá a sua moção ao Presidente da República, à CCDR-N, ao IVDP e ao Instituto da Vinha e do Vinho.

Todos ralham, e ainda não há pão

O IVDP tem-se mantido em silêncio sobre a crise no Douro. Interpelado esta terça-feira pelo Terroir, o presidente deste organismo, Gilberto Igrejas, não esteve disponível para comentar por motivos de agenda. Numa altura em que a discussão na / sobre a região se havia entrincheirado, com a ViniPortugal e a Federação Renovação do Douro / Casa do Douro a trocarem argumentos sobre quem tinha autoridade para espoletar um processo de revisão do quadro regulamentar da Região Demarcada do Douro, como defendera o Presidente da República.

“Nós temos tutela, temos um instituto que nos representa e é esse instituto que tem de fazer pressão, é a tutela que tem de fazer pressão, e naturalmente reconheço toda a legitimidade aos órgãos de soberania — o Presidente da República e o primeiro-ministro — mas não reconheço é a um organismo comercial”, afirmou, a 15 de Setembro, o presidente da Federação Renovação do Douro / Casa do Douro, Rui Paredes.

Poucos dias antes, o presidente da ViniPortugal, Frederico Falcão, advertira que o atraso na revisão do quadro regulamentar da região podia vir a resultar num abandono de viticultores devido à falta de sustentabilidade económica. Em Londres, à margem de uma prova de vinhos portugueses, Falcão realçou que o problema estrutural do Douro, uma região em que a mesma uva é paga a preços diferentes conforma seja para vinho do Porto ou para vinhos com Denominação de Origem Douro (tranquilos), era “conhecido há muito tempo” e que já tinham sido “feitos vários estudos”. “Não se decidem sobre o caminho a tomar e é urgente que se tome uma decisão”, comentou o principal responsável da Organização Interprofissional do Vinho de Portugal.

Fundada em 1996, a ViniPortugal é a entidade gestora da marca Wines of Portugal e tem como missão promover a qualidade e a excelência dos vinhos portugueses.

Rui Paredes classificou de “lamentável” a intervenção do presidente da ViniPortugal, cuja “produção e parte comercial” está “no exterior”, e considerou que Frederico Falcão passara “por cima até do próprio presidente do IVDP”.

Foto
No início de Setembro, de visita à Vindouro, Marcelo Rebelo de Sousa falou sobre o Douro e os seus problemas e o assunto nunca mais saiu da ordem do dia NUNO ANDRADE FERREIRA / LUSA

No rescaldo das declarações de Marcelo Rebelo de Sousa na Vindouro, a Lusa ouviu associações de produtores e comércio, que afirmaram estar de acordo com a necessidade de rever de forma célere o quadro regulamentar da região, apontando a “falta de autonomia” financeira do IVDP, cujo orçamento vem das taxas pagas pelos viticultores e pelas empresas do sector, como um dos problemas.

Na altura, o presidente da Associação das Empresas de Vinho do Porto, António Filipe, defendeu “que o estatuto do IVDP deveria ser o de uma Comissão Vitivinícola Regional”, uma entidade privada “a quem possam ser atribuídos também alguns fins públicos”. Pela Associação dos Viticultores Profissionais do Douro (Prodouro), Rui Soares sublinhou que o modelo actual não estava a conseguir resolver os constrangimentos sentidos, mas pediu uma revisão cuidada. Sem pressas.

Também o presidente da actual Casa do Douro (a histórica organização foi privatizada em 2014) entende que o modelo do IVDP já era. Não é eficiente, dizia em Setembro Rui Paredes, defendendo que os viticultores não podiam estar à “espera de ir com o chapéu na mão pedir ao senhor secretário de Estado do Orçamento verbas para fazer promoção”. A falta de funcionários no instituto público, que tem “menos 30% no quadro de pessoal” foi outra questão apontada por Rui Paredes.

O Douro tem cerca de 20.000 viticultores, com propriedades que, em média, não ultrapassam os dois hectares. A região está classificada desde 2001 pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade. O abandono da viticultura, por novos e velhos, a desertificação e a escassez de mão-de-obra são outros problemas da região, que este ano viu ser reduzida em 12 mil pipas a quantidade de mosto para vinho do Porto que podia produzir (em 2023, o benefício foi de 104 mil pipas).

Sugerir correcção
Comentar