Uma “barraca” a 1800 euros ilustra crise do alojamento universitário

O cubículo de madeira foi montado em frente à Reitoria da Universidade de Lisboa para representar as dificuldades dos estudantes devido à crise da habitação. A obra é do artista Ticiano Rottenstein.

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No interior, há espaço para uma cama onde pode dormir uma pessoa pequena, um armário com loiça, e uma mesa Lusa

As dificuldades dos estudantes universitários em encontrar habitação em Lisboa foram denunciadas esta sexta-feira, 29 de Setembro, por diversas organizações numa acção de protesto na Cidade Universitária, onde se "arrendou" uma barraca por 1800 euros.

A acção serviu para chamar a atenção para a crise da habitação e os seus efeitos nos estudantes universitários, mas também para promover as manifestações de sábado, 30, em Lisboa e noutras cidades do país em protesto contra a crise na habitação em Portugal.

Pelas mãos do artista Ticiano Rottenstein ergue-se em frente da Reitoria da Universidade de Lisboa um cubículo feito de pedaços de madeira, com porta e móveis dentro, e um cartaz à porta a dizer "Arrenda-se T0" e depois os sucessivos valores, riscados, de 300 e 600 euros, seguidos do valor actual, de 1800 euros.

Uma instalação que, simbolicamente, diz que as pessoas estão já tão excluídas do acesso a habitação que, podem ter de escolher uma barraca, uma tenda ou "uma situação indigna de vivência", explicou à Lusa Rita Silva, do Movimento Vida Justa e porta-voz do Movimento Casa para Viver.

"Por outro lado aponta para a questão da subida do preço das rendas. Temos ali o preço de 1800 euros, temos hoje em dia casas que às vezes não têm a mínima qualidade que estão nos 1800 ou 2000 euros. E nós perguntamos porque é que o Estado não tem coragem para falar de regulação de preços e regulação de rendas, uma vez que o mercado está completamente absurdo", acrescentou.

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No interior, há espaço para uma cama onde pode dormir uma pessoa pequena, um armário com loiça, e uma mesa Lusa

A instalação serve também para dar visibilidade à "muito grave" questão dos estudantes, que se confrontam com o facto de não poderem continuar a estudar por não terem onde viver. "Conseguir um quarto no centro de Lisboa é praticamente impossível" e cada vez mais os estudantes procuram opções nas zonas periféricas, o que os obriga muitas vezes a várias horas de transportes públicos diariamente, salientou também à Lusa Diogo Ferreira Leite, presidente da Associação Académica da Universidade de Lisboa.

Diogo Ferreira Leite garantiu que há muitos casos em que os estudantes entram para a Universidade, mas são obrigados a regressar aos seus locais de origem porque não têm forma de suportar um quarto em Lisboa. Na Linha de Apoio que a Associação disponibiliza essa situação transparece em muitos casos: "Ou pagam 700 ou 800 euros por um quarto em Lisboa ou terão de ficar mais um ou dois anos a trabalhar para juntar dinheiro e voltar depois, ou esperar ter lugar numa residência".

José Afonso Garcia, que já foi presidente da Associação Académica e pertence ao movimento Habitação de Abril, de defesa de habitação para estudantes e que esteve na organização da iniciativa, disse à Lusa que no ano passado 10% dos estudantes que entraram na primeira opção não se matricularam em Lisboa por não poderem pagar casa.

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O cubículo em frente à Reitoria da Universidade de Lisboa Lusa

"Isto é alarmante", disse, salientando que os jovens estão a ver o "futuro hipotecado", porque não vão conseguir ter uma casa nem constituir uma família. E tudo por uma "questão básica" que é a habitação, um direito constitucional.

Nas palavras do jovem, é preciso para já aumentar e melhorar a mobilidade dos estudantes que são empurrados para as periferias, com transportes públicos mais eficientes, e depois construir mais residências. É por isso que os estudantes participam no sábado na manifestação, disse, e foi por isso que apoiaram a acção de hoje, do T0 a 1800 euros.

O espaço foi construído em poucos minutos, sem janelas, mas com tecto e uma porta, até um pequeno terraço do lado do sol, duas cadeiras e uma arquinha que serve de mesa para vaso com uma flor. No interior, há uma cama onde pode dormir uma pessoa pequena, um armário com loiça, e uma mesa. Na parede vêem-se dois quadros, um com três cães a atacarem um javali, para dar actualidade. Para alargar o universo de candidatos, há uma banheira e um bacio de criança.

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