On “How to change the world”. A revolução vai ser organizada

O que se passou com o ministro do Ambiente e Ação Climática na CNN Portugal Summit foi, novamente, um harakiri dos guerreiros pelo clima.

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How to change the world é um documentário de 2015 que mostra a aventura de um grupo de amigos que, em 1971, decide navegar até Amchitka, no Alaska , para se manifestarem contra os testes nucleares aí levados a cabo pelo governo Nixon, e acaba a criar o ativismo ambiental, fundando a Greenpeace.

Disclaimers iniciais
1. Efetivamente, sou amiga de Duarte Cordeiro há vários anos;
2. Sempre achei que jovens que não se indignam seja com o que for nasceram velhos e que há algo de errado com eles;
3. Organizei e participei em várias manifestações e ações simbólicas no ensino secundário e superior. Sempre fui uma inconformada com várias causas e lutei (e luto) por muitas, mas sempre tive a mania de o fazer dentro dos limites do Estado de Direito – esquisitices de uma especiosa;
4. Porém, nada do que precede me torna menos apta para analisar nem o lamentável evento de terça-feira nem, em geral, este tipo de ativismo.

Greta Thunberg começou um movimento global e mais relevante do que os prémios que recebeu é o facto de uma miúda que começou por se manifestar sozinha à porta do seu parlamento ter conseguido a extraordinária proeza de colocar na agenda global a urgência climática. Fê-lo de forma pacífica, e até escreveu sobre isso, e inspirou milhões de jovens pelo mundo que adotaram o seu método.

Os seus detratores não conseguiram nada de muito mais digno do que o ataque ad hominem – ou chamando a atenção para o facto de ser neurodivergente, ou criticando a forma como se expressa (“histérica”, ou não fosse mulher).

Terá feito mais pela causa em poucos anos do que todos os cinzentos líderes mundiais desde sempre. Admiro-a e à sua luta.

Consequentemente, não posso apreciar as formas de combate que alguns jovens aqui no burgo têm utilizado, que nada têm a ver com as dela.

Já em novembro passado, quando um grupo de jovens foi recebido pelo ministro da Economia e do Mar, achei que estavam a fazer um péssimo serviço à causa, senão vejamos:

Conseguem que um ministro (que nem sequer tem a tutela da Energia, mas adiante) os receba, ou seja, têm uma excelente oportunidade para se fazerem ouvir pelo poder político e, quando perguntados por ele sobre quais são as suas reivindicações, estendem-lhe uma carta de demissão exigindo que assine. Não querem mudar o mundo? Perderam uma excelente oportunidade de dar um passo nesse sentido.

Ora bem, não é muito aceitável que a geração que já nasceu com Internet não faça um rápido googling ao senhor antes de empreender todo este número. Bastaria olhar para uns quantos artigos de opinião publicados (por exemplo, aqui, aqui ou aqui) e talvez fosse de admitir que Costa Silva não seria exatamente o alvo a crucificar como símbolo do mal que a aflige. Imagine-se até: António Costa Silva esteve preso três anos enquanto jovem por defender os seus ideais. “Éramos jovens e queríamos mudar o mundo” disse – curiosa coincidência, não?

Posto isto, considero que o que se passou com o ministro do Ambiente e Ação Climática na CNN Portugal Summit foi, novamente, um harakiri destes guerreiros pelo clima. Porquê?

O que é que levou líderes mundiais a respeitar Greta Thunberg e lhe permitiu ter voz em importantes fora por todo o mundo? Terá sido o facto de o seu discurso sempre ter tido conteúdo e ser baseado na ciência, aliado aos meios pacíficos (e ainda assim simbólicos) que sempre utilizou? Esta “miúda” neurodivergente, que se refere ao Síndrome de Asperger como o seu “superpoder”, e que “só fala quando acha que é necessário”, fez ouvir as suas reivindicações a todos os líderes mundiais, colocou o tema nas agendas políticas e fundou um movimento de milhões de jovens por todo o mundo. Podia isto ser o resultado do trabalho de uma grande multinacional de comunicação, lobbying e relações públicas, mas foi apenas a força dos ideais, o modo de os prosseguir e a obstinação de uma adolescente.

Sucede que o modus operandi destes ativistas nacionais é, em tudo, o oposto: números mediáticos sem conteúdo. O que lamento. Lamento por ser contrário à causa que acham estar a defender e que me é cara e merece melhor guarda avançada.

Esta ação não afetou nem o ministro nem o Duarte. E, novamente, houve aqui um défice de googling quer do Programa de Governo, quer do último Orçamento do Estado, em que a matéria sobre esta área já saiu da pena deste ministro, quer da ação que ele tem levado a cabo com seriedade e firmeza.

Só ignorando tudo isto se explica a ação destes jovens.

O que me preocupa é o seguinte: o cidadão comum vê estas ações e pensa “olha, outra garotice” e já nem ouve o que está em causa e que – isso sim, importa – a emergência climática clama por medidas urgentes. Ações destas descredibilizam a causa e afastam o cidadão comum.

Já vi aventar teorias sobre quem estará a manipular estes jovens. Não avanço hipóteses, mas tenho a certeza de que, se alguém o está a fazer, o que o move não é o ambiente, mas porventura uma ideia errada de que a violência e a atenção mediática que esta gera são uma boa forma de fazer oposição ao Governo. Não são, obviamente. Nenhuma política muda porque jovens se colam ao chão, atiram tinta a governantes nem, sequer, se um deles se demitir. Não é assim que funciona esta coisa da democracia.

E nem se diga que estou a ser paternalista. Estou só a pensar como a ativista que eu era com a idade deles. Essa miúda ativista um dia esteve a segurar uma grade em frente ao Parlamento para evitar que alguns colegas (?), manipulados por um grupo político-partidário, invadissem a escadaria da AR numa grande manifestação estudantil.

E, pouco depois, o Governo foi-se embora.

Conseguimos o que ansiávamos. Como sempre conseguem os jovens sonhadores quando se propõem lutar e têm a clareza de espírito de perceber que o jogo só se ganha se jogarmos com as suas regras. E o que outros estão hoje a fazer (saibam ou não), ao não jogarem com as regras do Estado de Direito, é nem sequer ir a jogo.

E eu apenas lamento, não por eles, mas por toda a humanidade a quem daria jeito ver todo este “fogo dos loucos no olhar” ao serviço de um combate que é de todos.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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