Sete razões que impossibilitam a meta de 1.5ºC de aquecimento global

Tal como num campeonato de futebol, também na acção climática a meta de 1.5 graus tornou-se apenas matematicamente possível.

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Tem havido muita insistência, especialmente por parte de especialistas em alterações climáticas, ambiente e energia, mas também de políticos e líderes mundiais, de que ainda é possível alcançar-se a meta de 1.5 graus Celsius de aquecimento global até ao final do século. Afirmando que as medidas necessárias são conhecidas e a tecnologia está disponível para o fazer. Mas ninguém apresenta argumentação válida e sólida de que é inequivocamente exequível e sustentável, com o esforço mundial, alcançar essa meta.

De acordo com os cenários apresentados nos relatórios de avaliação climática do IPCC, o cenário de 1.5 graus Celsius corresponde a um aumento de temperatura que pode atingir um pico de 1.6 a 1.7 graus Celsius até à década de 2060, e depois diminuir até ao limiar de 1.5 graus em 2100. Na prática significa que esse limiar é ultrapassado, mas que depois de o ser, embora ligeiramente, se conseguirá reduzir a temperatura média global ao limite de 1.5 graus.

Para isso, de acordo com o conjunto de cenários que respondem a essa condição, é necessário, primeiro, alcançar a neutralidade carbónica até 2050 e, segundo, implementar a tecnologia de captura e sequestro de carbono com escala suficiente na segunda metade do século. De realçar que dos cerca de 100 cenários climáticos testados, apenas alguns que incluem a medida de captura artificial de carbono, ou seja, de emissões negativas, garantem a meta de 1.5 graus. O que significa que estamos dependentes, por um lado, do esforço hercúleo de descarbonização para não ultrapassar 1.7 graus e, por outro lado, à implementação de uma tecnologia que ainda não existe, apesar dos esforços para a desenvolver e lhe dar escala nos próximos 30 a 40 anos.

Contudo, quando os especialistas referem que ainda é possível limitar o aquecimento global a 1.5 graus estão, normalmente, a referir-se apenas às medidas de descarbonização que nos levam à neutralidade carbónica até 2050. Sem contar, em parte, com os vários mecanismos de feedback positivo (retro-activação ou realimentação) que resultam da resposta do sistema climático como mecanismos de amplificação do aquecimento global, que podem limitar ou impedir o objectivo por essa via.

Sem qualquer ordem específica de importância ou impacto, apresento sete razões que impossibilitam a meta de 1.5 graus de aquecimento global:

- A emissões globais de dióxido de carbono (bem como de metano e óxido nitroso) irão continuar a aumentar nos próximos 10 a 20 anos (se não mais) antes de começarem a diminuir;

- O dióxido de carbono de origem fóssil leva cinco a dez anos a distribuir-se por toda a atmosfera e concentrar-se nas camadas superiores onde exerce o seu efeito estufa máximo, nas quais permanece até cerca de 100 anos antes de ser absorvido pelos oceanos, pela vegetação terrestre e por processos químicos nas rochas;

- A redução e eliminação da queima de carvão, bem como da combustão fóssil nos transportes e indústria irá reduzir a concentração de aerossóis (partículas finas) na atmosfera, que devido às suas propriedades em refletir a energia do sol para o espaço, irá aumentar o balanço energético;

- O dióxido de carbono e o metano sequestrados no permafrost do Árctico (pergelissolo – terras permanentemente geladas) estão a ser libertados para a atmosfera como resultado da decomposição de matéria orgânica devido ao degelo provocado pelo aquecimento global, aumentando ainda mais as emissões dos gases de efeito estufa para a atmosfera;

- O conteúdo térmico dos oceanos, devido à elevada energia já absorvida, irá progressivamente ser libertado para a atmosfera através de tempestades (ciclones, furacões e tufões) e de ondas de calor marinho, aumentando ainda mais o aquecimento global;

- Caso se consiga estabilizar os níveis de concentração de dióxido de carbono na atmosfera, daqui a 30 a 40 anos (no máximo do esforço), a temperatura média global continuará a aumentar devido à inércia do sistema e ao conjunto de feedbacks positivos do sistema climático;

- Com a concentração média actual de 420 ppm de dióxido de carbono na atmosfera, correspondendo já a um aumento de 50% relativamente a valores pré-industriais, e para uma sensibilidade climática de equilíbrio (ECS, sigla em inglês) de 3 graus por duplicação de carbono, o aquecimento médio global de 1.5 graus Celsius será atingido já nesta década. E ainda, devido à respectiva trajectória, que nos levará nas próximas três décadas a superar as 500 ppm, o aquecimento de 2.0 graus poderá ser atingido por volta de 2050.

Estas são razões, do ponto de vista da física do clima, que me levam a concluir sobre a impossibilidade em alcançar a meta de 1.5 graus Celsius até ao final do século.

Adicionalmente, a resposta climática de transição (TCR, sigla em inglês), um parâmetro de evolução climática que culmina na ECS, é já de 2.6 a 2.8 graus Celsius, o que significa que com a actual tendência de aumento de dióxido de carbono na atmosfera, o ECS poderá vir a ser superior a 3 graus por duplicação de carbono (como alguns estudos o indicam).

Para além destas razões, de carácter puramente científico, existem outras do lado da economia (crises económicas, possível insucesso na transição energética e nas tecnologias de captura de carbono), mas também de lado social, geopolítico e geoestratégico (guerras de disputa de território e de recursos), que podem ser acrescentadas a esta argumentação. Em particular, a impossibilidade de se conseguir em menos de 30 anos, entre crises e guerras, reduzir o peso das energias fósseis no mix energético, dos actuais 84% para os 5%, e simultaneamente aumentar o peso de 6% das energias renováveis para os 85%.

Para isso acontecer, seria necessário que, entre 2020 e 2050, o peso das energias fósseis e das renováveis, respectivamente, reduzisse e aumentasse a uma taxa anual da ordem dos 9%. Três anos após o início do período de implementação das contribuições nacionais de redução de emissões do Acordo de Paris de 2015, o que vemos é não só o consumo das energias fósseis não diminuiu como continua a aumentar, apesar do aumento significativo na produção de energias renováveis. Esta é uma impossibilidade que se deve ao facto de o aumento da energia renovável não ser suficiente para satisfazer a demanda mundial devido ao crescimento económico. Para além disso, estamos já a assistir a alguns governos, incluindo de países europeus, a desistirem ou reduzirem os seus programas de acção climática. As recentes notícias sobre o aumento de subsídios e fundos públicos aos combustíveis fósseis por parte dos países do G20 são bem exemplo disso mesmo, tal como a estratégia da China de reduzir a sua política de mitigação e apostar mais na adaptação das alterações climáticas.

Tal como num campeonato de futebol, em que a dois jogos do fim e a cinco pontos do primeiro classificado é matematicamente possível ganhar o campeonato, também na acção climática, a meta de 1.5 graus tornou-se apenas matematicamente possível!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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