O direito constitucional à alimentação saudável

Com a revisão constitucional em curso, a oportunidade para discutir a dignidade constitucional do Direito Humano a uma Alimentação Nutricionalmente Adequada não podia ser melhor.

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Uma alimentação saudável e nutricionalmente adequada é muito mais que uma escolha individual, que diga respeito apenas à vida de cada pessoa.

Os impactos que tem na sociedade – na saúde, na aprendizagem, no absentismo, na produtividade, no ambiente, no território, na felicidade individual e no bem-estar social – são grandes demais para ficarem apenas na mesa de cada um.

Em primeiro lugar, só pode haver uma escolha saudável com conhecimento: quantos de nós, sem consciência disso, alimentamos a nossa família com produtos que lhe vão causar sofrimento no futuro?

Para lá do patamar individual – e está ao alcance de qualquer um evitar alimentos embalados, enlatados e processados, preferindo alimentos frescos, ao peso, da época e produzidos no seu território – há uma dimensão que só o Estado e uma forte cidadania podem assegurar.

Só com políticas públicas é possível encurtar a distância do prado ao prato, estabelecer circuitos curtos dos alimentos, aproximar produção de agricultura familiar dos consumidores, assegurar preços justos e acessíveis, garantir produtos saudáveis nas compras públicas de alimentos (para as escolas, hospitais, forças militares, lares, por exemplo).

Só o legislador pode impedir formas de produção de alimentos que não coloquem em risco a sustentabilidade do território e do ambiente, o respeito pelo património cultural e histórico da dieta mediterrânica – reconhecida pela ONU como Património Cultural Imaterial da Humanidade.

Na sociedade portuguesa está a emergir uma maior consciência e muitas organizações e ONG estão a levantar a voz para defender o direito humano a uma alimentação saudável, adequada e acessível como um direito constitucional.

Com a revisão constitucional em curso – a oportunidade para o discutir não podia ser melhor.

A dignidade constitucional do Direito Humano a uma Alimentação Nutricionalmente Adequada (DHANA) é um passo essencial para que o Estado português se mostre pioneiro na defesa do desenvolvimento humano dos seus cidadãos. Uma alimentação saudável é saúde, é cultura, é história, é preservação da biodiversidade, é organização de território, é sustentabilidade ambiental, é integração social, é poupança e riqueza, ou seja, dignidade humana.

Uma política para uma alimentação saudável e adequada precisa do envolvimento dos ministérios da Saúde, da Agricultura e da Economia, mas também dos ministérios das Finanças, da Educação, da Cultura, do Ambiente, da Defesa.

Cerca de 60% da população mundial ou tem fome ou está doente. Uma grande parte da população que não sofre com a falta de alimentos, sofre com a doença e vai morrer mais cedo devido ao excesso de comida ou má qualidade da alimentação, o que nenhum de nós pode aceitar.

Além disso, o combate ao excesso e à má qualidade dos alimentos é fundamental para terminar com a exploração extractivista dos solos e da mão-de-obra.

Todas as pessoas têm o direito de saber o que comem, a origem do que comem e se o que comem contribui para sistemas alimentares sustentáveis, de forma a garantir o bem-estar holístico e, assim, a efetivação de outros direitos constitucionais, como o direito a ter saúde.

Um Estado que se preocupa com o bem-estar físico e mental dos cidadãos está a salvaguardar o SNS, a contribuir para reduzir os efeitos negativos da emergência climática, a respeitar o legado histórico e cultural da dieta mediterrânica e a ser um país inovador no desenvolvimento saudável da democracia.

Está nas mãos da Assembleia da República demonstrar que se preocupa com todos os cidadãos e reconhecer o DHANA como um direito constitucional.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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