Julgamento por fake news: Lemos Esteves admite que inventou e indemniza Pacheco Pereira

“O pedido de desculpa é o mínimo”, disse historiador em tribunal. “Isto não é mais do que a afirmação da falsidade do que escreveu.” Antigo professor vai pagar dez mil euros a Pacheco Pereira.

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Lemos Esteves com o advogado João Botelho no tribunal de Rio Maior MATILDE FIESCHI
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O historiador José Pacheco Pereira aceitou esta manhã, no tribunal de Rio Maior, desistir do julgamento por calúnia contra João Lemos Esteves, depois de o ex-professor de Direito admitir que inventou o que escreveu no jornal Sol.

Ao fim de uma hora de negociação entre as partes, o juiz Hugo Bastos Loureiro anunciou que as advogadas de Pacheco Pereira — Sofia Castro Caldeira e Rita Maltez — e o advogado do réu — João Botelho — tinham chegado a acordo, evitando o julgamento.

Às 11h15, o arguido leu o desmentido: “Eu, João Lemos Esteves, afirmo publicamente não corresponder à verdade tudo o que escrevi sobre a relação de José Pacheco Pereira com o Irão no artigo publicado no jornal Sol de 9 de Janeiro de 2021, que acabou por ser republicado e ampliado em várias publicações anónimas ou com assinaturas de conveniência especializadas em fake news”, começou por ler o jurista. A seguir, disse que usou “fontes falsas”: “Mais reafirmo que tive fontes falsas para aquilo que afirmei.” E terminou com um compromisso: “Darei a máxima publicidade a esta declaração.”

O juiz quis confirmar se Pacheco Pereira aceitava o pedido de desculpa e o valor reduzido de indemnização. E se desistia da queixa.

Bastos Loureiro esperaria um simples sim”, mas o historiador respondeu: “O pedido de desculpa é o mínimo. Isto não é mais do que a afirmação da falsidade do que escreveu.”

O juiz sorriu e insistiu: “Ainda assim, declara que não pretende prosseguir com a queixa?”. “Sim. Desde que não haja reincidência.

A sessão terminou minutos depois. Após insistir não ter capacidade para pagar uma indemnização, Lemos Esteves comprometeu-se a pagar dez mil euros até Setembro de 2025. Na queixa-crime, Pacheco Pereira pedia 70 mil euros.

No fim da sessão, já o juiz saíra da sala, Lemos Esteves não soube explicar como vai dar “a máxima publicidade” ao desmentido e o seu advogado aconselhou-o a não falar com o PÚBLICO​. “Já não escrevo, eu agora não escrevo”, disse Lemos Esteves. “O meu cliente está reformado”, brincou Botelho. Lemos Esteves tem 34 anos.

No artigo de opinião publicado no Sol, em 2021, Lemos Esteves — na altura professor assistente de Luís Menezes Leitão e Pedro de Albuquerque, regentes na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa — escreveu que Pacheco Pereira “é presença assídua nas festas da embaixada do Irão em Lisboa”, para quem seria “uma espécie de consultor especial”, que fizera “viagens de luxo a Teerão”, recebera “luxos e privilégios” da embaixada e escrevera artigos de opinião no PÚBLICO com base em talking points do regime iraniano.

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Estas benesses, escreveu em “Pacheco Pereira, o Ayatollinho que apela ao antissemitismo (what a nasty man!)”, eram o pagamento pelo lobby que Pacheco Pereira teria feito a favor do governo do Irão e pelo seu “potencial envolvimento” com “organizações terroristas”.

O artigo do Sol, disse a acusação na queixa-crime, foi replicado e a base de artigos parecidos publicados em sites de fake news e que fazem parte de uma teia de plataformas digitais que divulgam informação falsa e caluniosa.

Sites de fake news de que Lemos Esteves foi “director”, “editor”, “editor de conteúdos” e “colaborador”, e sites quase iguais, como a Voz Ibérica, a Total News Agency, a Alianza 24 e a Citizens for the World, nos quais os “colaboradores” se repetem, alguns fictícios, outros reais mas com currículos ligados a instituições fantasma.

No conjunto dos artigos, Pacheco Pereira é retratado como um “agente do Irão”, “consultor”, “actor” e “intermediário” dos interesses iranianos, recebendo em troca das actividades de propaganda e defesa do regime iraniano benesses e subsídios, movimentando fundos secretos e participando em actividades terroristas.

A palavra “terrorista” aparece repetidas vezes nos textos, em português, inglês e espanhol, que citam supostas fontes de serviços secretos e fontes com acesso a informação privilegiada. Aí, é escrito que o historiador participou em actividades terroristas, forneceu informações, participou em reuniões e manteve contactos com responsáveis em actos terroristas em todo o mundo.

O historiador descreveu o processo como “uma ‘fábrica’ de fake news”.

Em 2010, quando tinha 21 anos, Lemos Esteves participou num blogue do Expresso chamado Politicoesfera e, a seguir, em 2012, teve uma rubrica num programa de jovens da SIC Radical — Marcelo Rebelo de Sousa, seu professor na FDUL, foi convidado para o episódio de despedida. Lemos Esteves tinha criado o grupo Jovens com Marcelo, na JSD. A seguir, entre 2020 e 2021, manteve uma coluna semanal no Sol.

É como colunista — e autor de mentiras, como ficou esta terça-feira estabelecido no tribunal de Rio Maior — que Lemos Esteves tem sido convidado a falar sobre geopolítica em sites e canais com grande divulgação, como os vídeos de Cristina Seguí, co-fundadora do Vox e influente voz da extrema-direita espanhola.

O rol de 20 testemunhas de defesa entregue ao tribunal incluía Donald Trump, ex-Presidente dos EUA, e Michael Pompeo, ex-director da CIA e secretário de Estado no mandato de Trump.

Nota: acrescentada uma frase à declaração lida em tribunal por Lemos Esteves, de modo a ser transcrita na íntegra e de acordo com a acta da audiência no tribunal de Rio Maior.

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