Sismo em Marrocos: ajuda tarda em chegar às zonas montanhosas

O número de mortos do sismo que atingiu as montanhas do Alto Atlas na noite de sexta-feira subiu para 2901, enquanto o número de feridos mais do que duplicou, para 5530.

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A aldeia devastada de Imi N'Tala Reuters/EMILIE MADI

Muitos sobreviventes do terramoto em Marrocos permaneciam esta terça-feira em abrigos improvisados após quatro noites ao relento, enquanto os aldeões das zonas montanhosas devastadas manifestaram a sua frustração por ainda não terem recebido qualquer ajuda das autoridades.

O número de mortos do sismo de magnitude 6,8 que atingiu as montanhas do Alto Atlas na noite de sexta-feira subiu para 2901, enquanto o número de feridos mais do que duplicou para 5530, informou a televisão estatal.

Foi o terramoto mais mortífero do país norte-africano desde 1960 e o mais forte em mais de um século.

As equipas de salvamento de Espanha, Reino Unido e Qatar estão a ajudar as equipas de busca marroquinas, enquanto Itália, Bélgica, França e Alemanha disseram que as suas ofertas de assistência ainda não tinham sido aprovadas.

A situação era mais desesperada para as pessoas que se encontravam em zonas remotas isoladas por deslizamentos de terras que bloquearam as estradas de acesso, enquanto nos locais acessíveis os esforços de socorro estavam a ser intensificados com a montagem de acampamentos e a distribuição de alimentos e água.

Mehdi Ait Bouyali, 24 anos, estava acampado ao longo da estrada de Tizi n’Test, que liga vales remotos à cidade histórica de Marraquexe, com outros sobreviventes que também tinham fugido das suas aldeias destruídas. Segundo ele, o grupo recebeu alimentos e cobertores de pessoas que passavam de carro, mas nada do Estado.

“As aldeias do vale foram esquecidas. Precisamos de qualquer tipo de ajuda. Precisamos de tendas”, disse, criticando os esforços de ajuda do governo.

Hamid Ait Bouyali, 40 anos, também estava acampado na berma da estrada. “As autoridades estão a concentrar-se nas comunidades maiores e não nas aldeias remotas, que são as mais afectadas”, afirmou. “Há algumas aldeias que ainda têm os mortos enterrados debaixo dos escombros.”

As esperanças de encontrar sobreviventes começam a desvanecer-se, sobretudo porque muitas casas tradicionais de tijolo de barro, comuns no Alto Atlas, se desfizeram em escombros sem deixar bolsas de ar.

Muitos aldeões não têm energia nem rede telefónica desde o sismo e tiveram de resgatar os seus entes queridos e retirar os cadáveres enterrados debaixo das suas casas esmagadas sem qualquer ajuda.

Os cidadãos comuns também estavam a ajudar, como Brahim Daldali, 36 anos, de Marraquexe, que estava a usar uma mota para distribuir alimentos, água, roupas e cobertores doados por amigos e desconhecidos.

“Não têm nada e as pessoas estão a morrer de fome”, disse.

Os habitantes de uma aldeia, Kettou, destruída pelo terramoto, sobreviveram graças a uma festa de casamento, para a qual tinham deixado as suas casas de pedra e de tijolo de barro para desfrutar de música tradicional num pátio exterior.

Ajuda ignorada

Em Amizmiz, uma grande aldeia no sopé das montanhas que se transformou num centro de ajuda, algumas pessoas que ficaram sem casa receberam tendas amarelas das autoridades, mas outras ainda se abrigam debaixo de cobertores.

“Tenho tanto medo. O que é que vamos fazer se chover?”, disse Noureddine Bo Ikerouane, carpinteiro, que estava acampado com a mulher, a sogra e os dois filhos, um dos quais autista, numa tenda improvisada feita de cobertores.

O epicentro do terramoto foi a cerca de 72 km a sudoeste de Marraquexe, onde alguns edifícios históricos da cidade velha, Património Mundial da UNESCO, ficaram danificados.

As zonas mais modernas de Marraquexe escaparam em grande parte incólumes, incluindo um local perto do aeroporto destinado às reuniões do FMI e do Banco Mundial que deverão realizar-se no próximo mês.

A agência noticiosa estatal disse que o Rei Mohammed visitou um hospital em Marraquexe para verificar os feridos e doou sangue.

Marrocos aceitou as ofertas de ajuda de Espanha, Reino Unido, Emirados Árabes Unidos e Qatar, mas não aceitou as ofertas de ajuda de Itália, Bélgica, França e Alemanha.

A Alemanha disse na segunda-feira que não achava que a decisão fosse política, mas o ministro italiano dos Negócios Estrangeiros, Antonio Tajani, disse à estação de rádio RTL que Marrocos tinha escolhido receber ajuda apenas de países com os quais tinha relações estreitas.

Caroline Holt, directora global de operações da Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (FICV), que lançou um apelo de emergência na terça-feira para as vítimas do terramoto, defendeu as decisões de Marrocos.

“Sabemos que é extremamente complexo aceder a estas zonas de difícil acesso. As necessidades ainda estão a evoluir”, afirmou. “Penso que o governo marroquino está a dar passos cuidadosos no que diz respeito à abertura, aceitando ofertas bilaterais de apoio.”

Outros manifestaram a sua frustração por não terem sido autorizados a entrar em território marroquino.

Arnaud Fraisse, da Secouristes Sans Frontieres (Socorristas Sem Fronteiras), uma ONG francesa, disse que ofereceu à embaixada marroquina em Paris uma equipa de nove pessoas que estavam prontas para partir, mas que não houve resposta de Rabat.

"Agora, quatro dias depois, é demasiado tarde para partir porque estamos aqui para para salvar pessoas debaixo dos escombros, não para descobrir cadáveres”, disse. “Isto parte-nos o coração”.

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