Sentes-te só? Não és o único. Isto é o que os supermercados podem fazer para ajudar

O que é que os supermercados têm que ver com a solidão? Muito. Nos Países Baixos criaram-se as caixas lentas para os que estavam a precisar de uma conversa — e foram um sucesso em todas as idades.

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Ainda antes da covid-19, o isolamento social e a solidão eram problemas de toda a comunidade. Viver entre milhões de pessoas não traz conforto a quem vive em cidades, onde o ritmo de vida é muitas vezes caótico e a tecnologia e a digitalização limitam, muitas vezes, a interacção social, em vez de ajudarem.

A pandemia amplificou esses problemas. No rescaldo, há cada vez mais pessoas a dizerem-se sozinhas.

Para algumas pessoas, a ida semanal ao supermercado pode ser uma das únicas oportunidades que têm para interagir com outras pessoas. Uma rede de supermercados nos Países Baixos está a ajudar a combater a solidão com as chamadas “caixas lentas”, onde a conversa de circunstância é encorajada.

Estamos cada vez mais sós

A solidão e o isolamento social não são a mesma coisa. O isolamento social tem que ver com quantas vezes temos contacto com amigos, família e outros, o que é mensurável.

A solidão é mais subjectiva. Descreve aquilo que sentimos sobre a “qualidade” das nossas interacções com os outros.

A tecnologia contribui para altas taxas de solidão. Em vez de interacções cara a cara com significado, muita gente depende agora das redes sociais, aplicações no telemóvel e chamadas de vídeo para socializar.

Também estamos a trabalhar cada vez mais horas, muitas vezes em casa. E, devido ao custo de vida, muitos de nós estão a optar por ficar em casa e poupar dinheiro, em vez de ir comer fora ou beber um copo.

Cerca de um terço dos australianos dizem sentir-se sozinhos. Um em cada cinco diz estar a sentir solidão severa. Contudo, não é só na Austrália que isto está a acontecer. No Reino Unido, cerca de 3,9 milhões de idosos dizem que a televisão é a sua companhia principal. Meio milhão de pessoas passa cinco ou seis dias sem ver ninguém.

A Organização Mundial da Saúde reconhece a solidão e o isolamento social como problemas de saúde pública e que deviam ser prioridades dos decisores políticos. Estas questões afectam de forma séria a saúde mental e física das pessoas e também a longevidade. Os impactos são comparáveis aos de outros factores de risco, como fumar, consumir álcool, obesidade ou sedentarismo.

Será que as caixas lentas podem ser parte da solução?

Para muitos, uma visita ao supermercado é a única altura em que interagem com outros. Infelizmente, o aumento do uso de tecnologia, incluindo as caixas de self-checkout e os caixeiros pressionados para garantir um processo de compra cada vez mais rápido, é um obstáculo à conversa.

Há quatro anos, a segunda maior cadeia de supermercados dos Países Baixos, Jumbo, introduziu a kletskassa ou “caixa lenta para quem quer falar”. Foi feita a pensar nos clientes que querem conversar e não estão com pressa. Reconhecendo que a solidão é um desafio para muitos, a ideia passava por aumentar a interacção social entre clientes e funcionários, abrandando o ritmo e incentivando a conversa.

A responsável comercial dos supermercados Jumbo, Colette Cloosterman-van Eerd, explica a ideia: “Muitas pessoas, especialmente os mais velhos, sentem-se muitas vezes sozinhas. Como negócio familiar e cadeia de supermercados, estamos no coração da sociedade. As nossas lojas são um ponto de encontro importante para muita gente e queremos ter um papel na identificação e redução da solidão.”

A primeira kletskassa, na cidade de Vlijmen, na província de Brabante do Norte, foi tão bem-sucedida que a empresa começou a aplicar a medida a mais 200 lojas. Não só os clientes responderam de forma positiva, como o conceito também agradou aos empregados do Jumbo. Foram treinados para reconhecer sinais de solidão e pensar em iniciativas locais para combater o isolamento social.

“Estamos orgulhos de que os nossos empregados queiram trabalhar na caixa lenta. Querem mesmo ajudar as pessoas e começar o contacto com elas. É um gesto pequeno, mas valioso, particularmente num mundo que se está a tornar cada vez mais digital e rápido”, disse Cloosterman-Van Eerd.

O objectivo original da iniciativa do Jumbo era ajudar os clientes mais idosos. Contudo, a experiência mostrou que pessoas de todas as idades queriam usar a kletskassa. O desejo de interacção humana não mudava em função da faixa etária.

Estas caixas para “faladores” estão abertas para toda a gente que possa sair beneficiada do contacto social. Algumas lojas Jumbo também têm o All Together Coffee Corner, onde os vizinhos podem beber uma chávena de café e falar uns com os outros e com voluntários que também ajudam com as compras e jardinagem.

O Governo dos Países Baixos está a estabelecer parcerias com um conjunto de organizações, autarquias e empresas para arranjar soluções contra a solidão em todo o país. Cerca de 50% dos 1,3 milhões de pessoas com mais de 75 anos dizem sentir-se sozinhas frequentemente. As iniciativas do Jumbo fazem parte da campanha contra a solidão do Ministério da Saúde.

Supermercados enquanto “terceiros lugares” contra a solidão

Nos anos 1980, o sociólogo Ray Oldenberg cunhou o termo “terceiro lugar” – um lugar que não é a casa (o “primeiro lugar”) nem o trabalho (o “segundo lugar”). Os terceiros lugares são espaços públicos familiares onde as pessoas podem interagir com base em interesses comuns ou actividade.

Bibliotecas, cafés, livrarias, jardins colectivos, igrejas, ginásios e clubes são exemplos de terceiros lugares. Todos eles oferecem oportunidades para a proximidade, interacção e conversas fortuitas que de outra forma não aconteceriam com pessoas que não conhecemos.

A kletkassa ajudou milhares de pessoas de todas as idades e contextos, ao dar-lhes alguns momentos de gentileza e conversa. Imaginem o que poderíamos alcançar se todos os supermercados tivessem a sua versão de “caixa lenta”, para todos aqueles que precisem de uma conversa para melhorar o seu dia.


Exclusivo P3/The Conversation
Luoise Grimmer é professora sénior de Marketing de Retalho na Universidade da Tasmânia, Austrália

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