A paixão não passa!

Namoramos, casamos, temos filhos com a apelidada “pessoa certa”, mas de cada vez que o olho bate naquele que virou a nossa vida do avesso, as pernas tremem e sabemos que a paixão não passa.

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“A paixão é assim, libertina, não depende de ninguém, nem de aval” Quintin Gellar/pexels
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Ouvimos desde sempre que a paixão passa, que esse vício que nos consome em estar com quem gostamos tem vida curta. Mas será assim?

Não pretendo fazer uma abordagem científica ao conceito, uma vez que o meu enquadramento profissional não corresponde de todo à área da psicologia, mas tão simplesmente uma leitura individual do significado de paixão, entendendo, como alguns autores defendem, que há vários tipos de amores: amor apaixonado, amor romântico, amor físico, amor afetivo.

Foco-me no amor/paixão. Hatfield e Walster (1978) descreveram o amor apaixonado como: “Um estado de desejo intenso de união com o outro. O amor recíproco (união com o outro) está associado à realização e ao êxtase; o amor não correspondido (separação) está associado ao vazio, à ansiedade ou desespero” (p. 9). E estas sensações estão presentes, por exemplo, nas paixões de verão que podem tornar-se paixões de uma vida. Namoramos, casamos, temos filhos com a apelidada pessoa certa, mas de cada vez que o olho bate naquele que virou a nossa vida do avesso, as pernas tremem e sabemos que a paixão não passa.

Só pode falar de paixão quem a viveu intensamente. Muitos e muitas passam por esta vida sem experienciar o que falo e, portanto, dirão que a paixão é passageira. Mas não é. As borboletas invadem-nos passados dez, 20, 30, 40 anos… Há quem aceite ou até aprecie a calma de viver sem paixão ou a ignore, há quem considere que se sobrevaloriza a química em vez do racional. Mas há por aí uns felizardos a quem a sorte sorriu. E, na mesma pessoa, encontram talvez um dos motivos por que vale a pena cá andar. A adrenalina, o perfume, o beijo, o toque, o agarrar, o querer o outro dentro de si.

— Então já o esqueceste?

— Oh! Claro!

Mas a amiga sabe que não.

— Quando tu falas dele, os teus olhos brilham, ficas diferente…

Não é difícil concluir que realmente a paixão não passa.

Esqueçamos as relações humanas e observemos o trabalho. Quantos de nós se sentem apaixonados pela profissão que escolheram, mesmo após anos a fio de chatices, de dedicação, de desgaste? Não será o mais comum, mas sim, a paixão pelo trabalho de uma vida também acontece.

Até ao final da nossa passagem terrena, teremos como garantido, provavelmente, apaixonarmo-nos várias vezes, e muitas dessas paixões são efetivamente fugazes, e só algumas resultam porque sobrevivem do impossível, do proibido, do mistério.

Neste caso, muitas destas paixões, a serem concretizadas, sucumbiriam. Outras paixões ficam na sombra a vida toda, tiram-nos a voz, envergonham-nos, fazem-nos corar, deixam-nos inseguras/os e talvez nunca sejam reveladas à luz do dia. Vivem somente no imaginário. Mas são reais. A paixão é assim, libertina, não depende de ninguém, nem de aval, pode estar de anel no dedo a fazer juras de amor, mas de alma secretamente dada a outra pessoa.

Viver sem paixão é, pois, uma seca. Procuremos essa experiência em tudo o que nos rodeia. Na amizade, no amor, no trabalho, nas férias.

Não há felicidade plena, mas experienciar a paixão permite tornar mais leve esta vida tão pesada que a maioria de nós leva, um ano inteiro, abafada nas rotinas, nas contas para pagar, nos horários a cumprir…

A faísca que queima e que alimenta o coração e a mente pode acompanhar-nos até ao último suspiro. Mesmo que a neguemos e ignoremos. É tramado. E quem está de fora observa. Quem nunca sorriu para o ecrã do telemóvel daquele jeito que só os apaixonados reconhecem?

Recordo uma amiga que me dizia que, se pudesse escolher, optava por nunca mais se apaixonar na vida, porque é uma trabalheira dos diabos e porque quando estava apaixonada se tornava numa outra versão de si própria que odiava: dependente, desesperada, sem conseguir dormir, impaciente…

Ao contrário do que se possa pensar, a paixão é para gente graúda, para gente que, com substância, sabe dizer aquela foi ou ainda é a paixão da minha vida…

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