Birmânia expulsa diplomata timorense em protesto pelas posições de Díli

Avelino Ximenes Pereira tem até 1 de Setembro para deixar o país. Ramos-Horta fala em orgulho porque isso vem na sequência da “denúncia de crimes graves, crimes contra a humanidade”.

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ANTONIO COTRIM/EPA

A junta militar da Birmânia ordenou a expulsão do encarregado de negócios de Timor-Leste, em protesto pelas posições recentes das autoridades timorenses sobre o país.

“O Ministério dos Negócios Estrangeiros em nome do Governo da República da União de Myanmar [Birmânia] pede ao encarregado de negócios da embaixada da República Democrática de Timor-Leste, senhor Avelino Fernandes Ximenes Pereira, para deixar a Birmânia o mais tardar até 1 de Setembro”, diz uma nota da diplomacia birmanesa a que a Lusa teve acesso.

Em reacção, o Presidente da República timorense, José Ramos-Horta, considerou que Timor-Leste se deve sentir orgulhoso, porque a expulsão é uma resposta à defesa dos direitos humanos.

“É uma daquelas situações em que nós nos orgulhamos. Por actos de coerência na denúncia de golpes militares e na denúncia de crimes graves, crimes contra a humanidade, e, se por isso, expulsam o nosso encarregado de negócios, é motivo para nos orgulharmos”, declarou.

O chefe de Estado sublinhou que Timor-Leste continua a apoiar a posição da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e os esforços da organização para resolver a situação na Birmânia.

“Timor-Leste não tem uma posição diferente da da ASEAN, que é de condenar o golpe militar, os massacres de população civil, de mulheres e crianças. E os militares responsáveis são tão responsáveis por crimes de humanidade na Birmânia como Putin é responsável por crimes contra a humanidade na Ucrânia”, afirmou.

“Nesta questão, o meu aconselhamento é unirmos as nossas forças com o consenso da ASEAN, apoiar a ASEAN em tudo o que a ASEAN precisar e tudo o que concordar em fazer”, afirmou.

Na nota de duas páginas, a junta militar apontou várias acções das autoridades timorenses, incluindo referências à situação no país feitas pelo Presidente timorense.

Aludiu ainda a declarações do primeiro-ministro, Xanana Gusmão, que a 3 de Agosto disse que Timor-Leste poderia não aderir à ASEAN se o organismo regional for incapaz de encontrar uma solução para o conflito na Birmânia.

“Enquanto for primeiro-ministro, não entra na ASEAN se a ASEAN não convence a junta militar, se não encontrar uma solução. Somos uma democracia. Podemos ter problemas, mas não há golpes de Estado, há respeito pelas eleições presidenciais e parlamentares, mostrando ao mundo que nós temos uma cultura democrática”, disse Xanana Gusmão na altura.

Esses comentários levaram o Governo da Birmânia a convocar o encarregado de negócios, para um voto de protesto a 15 de Agosto.

“As declarações imprudentes e irresponsáveis do primeiro-ministro não são apenas prejudiciais para a manutenção das relações bilaterais entre a Birmânia e Timor-Leste, mas também negligenciam de forma grosseira os contínuos ataques violentos do grupo terrorista chamado Governo de Unidade Nacional (NUG)”, refere-se na nota datada de 25 de Agosto.

Nessa mesma nota do Governo da Birmânia, enumera-se ainda como motivos para a expulsão do diplomata timorense o facto de representantes do NUG terem sido convidados para a tomada de posse do novo Governo e por ter havido reuniões entre José Ramos-Horta e representantes do grupo que se opõe ao golpe militar no país.

Na cimeira da ASEAN em Maio, o Presidente indonésio reconheceu, em nome da organização, que não se registaram progressos para acabar com o conflito na Birmânia, renovando numa cimeira da organização regional um apelo ao fim da violência no país.

“Tenho de ser honesto. Não houve progressos significativos na implementação do consenso de cinco pontos”, disse Joko Widodo na 42.ª cimeira da ASEAN.

Widodo referia-se a um plano de paz preparado em 2021 pelos dez Estados-membros da organização e a junta militar de Myanmar, que pedia o fim imediato da violência e o diálogo entre as partes em conflito, com mediação de um enviado da ASEAN.

A junta rejeitou tomar medidas para cumprir esse acordo, levando a ASEAN a excluir a liderança militar de participar em encontros da organização.

Esta semana, os membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas com a excepção da China e da Rússia – condenaram a violência e a morte de civis na Birmânia.

A esmagadora maioria dos 15 países com assento no Conselho de Segurança voltou a instar a junta militar a pôr termo aos ataques, a libertar a líder deposta, Aung San Suu Kyi, e a respeitar os direitos humanos.

Nessa declaração conjunta lamentou-se que não se tenham registado "progressos suficientes" na aplicação da primeira resolução do Conselho de Segurança sobre a Birmânia, adoptada em Dezembro.

Em Junho, na Coreia do Sul, o ex-secretário-geral da ONU Ban Ki-moon apelou ao Presidente timorense para que exercesse pressão, directamente e através da ASEAN, junto do regime da Birmânia para este aceitar a implementação de uma proposta regional de paz.

“Espero que a ASEAN possa fazer uma pressão muito mais forte. As pessoas continuam a sofrer bastante. E peço-lhe, senhor Presidente, que tente também fazer pressão através da ASEAN”, disse Ban Ki-moon a José Ramos-Horta.

O pedido foi feito num curto encontro de Ban Ki-moon com José Ramos-Horta à margem da abertura da 18.ª edição do Fórum de Jeju para a Paz e a Prosperidade.

“É uma missão muito difícil para a ASEAN, e sei que se sente frustração em vários países com este assunto”, afirmou Ramos-Horta, que, depois da reunião, disse considerar difícil uma intervenção sua directamente com os militares da Birmânia.

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