Aprendemos na escola que, através da fotossíntese, os vegetais são capazes de produzir a própria energia, usando a luz solar para transformar dióxido de carbono e água em oxigénio e “açúcares”. Contudo, existe um limite de temperatura a partir do qual este processo metabólico deixa de funcionar. Um estudo da revista científica Nature, publicado esta quarta-feira, sugere que uma minúscula fracção das folhas que compõem o manto verde das florestas tropicais pode já estar a aproximar-se desse limiar máximo.
“Este é o primeiro estudo a determinar quão perto as copas das florestas podem estar desses limites máximos”, afirmou o co-autor Gregory Goldsmith, professor da Universidade de Chapman, na Califórnia, nos Estados Unidos, durante uma conferência de imprensa virtual. A partir dos 46,7 graus Celsius, em média, os mecanismos de fotossíntese começam a deixar de funcionar nas árvores tropicais.
O artigo na Nature estima que 0,01% de todas as folhas já ultrapassem hoje essa fronteira decisiva. O estudo prevê que este valor poderá aumentar para 1,4% em “condições futuras de aquecimento do planeta”.
O co-autor Joshua Fisher, também da Universidade de Chapman, sublinhou que, apesar de 0,01% da folhagem tropical parecer algo irrisório, este valor serve de alerta “para que possamos actuar agora”. Para o efeito, será necessário um esforço tanto de limitação do desflorestamento, como de redução drástica de emissão de gases com efeito de estufa.
Se nada for feito para proteger as florestas tropicais do aumento da temperatura planetária, há um risco duplo: a degradação de um património considerado único em termos de biodiversidade e, como consequência dessa perda, a diminuição da capacidade global de capturar carbono.
O modelo matemático elaborado pelos autores sugere ainda que as florestas tropicais podem tolerar uma subida da temperatura do ar de até 3,9 graus Celsius, patamar a partir do qual a cobertura vegetal pode entrar num território desconhecido, possivelmente “um ponto de não retorno”.
“Queríamos compreender melhor como é que o aquecimento do planeta, como resultado das alterações climáticas, vai afectar as florestas tropicais. Uma das razões [do nosso interesse] está no facto de estas áreas acolherem muitas das espécies que desejamos que sobrevivam, mas também porque estas mesmas florestas são importantes para a própria regulação do clima”, explicou Christopher Doughty, primeiro autor do estudo e investigador da Universidade do Norte do Arizona, nos Estados Unidos.
Sensores folha a folha
Os cientistas recorreram a dados obtidos a partir tanto de observações no terreno como no espaço. Foram usadas medições de alta resolução das temperaturas da superfície terrestre, com especial incidência em áreas correspondentes a florestas tropicais no Brasil, em Porto Rico e na Austrália.
Os autores concluíram que o valor médio das temperaturas máximas na parte superior das copas seja, por volta do meio-dia e durante períodos secos, de 34 graus Celsius. Uma pequena parte das áreas observadas chegou a ultrapassar a fasquia dos 40 graus Celsius. E, como já referido acima, 0,01% da folhagem superior transpôs a perigosa linha a partir da qual a função metabólica está em risco.
Gregory Goldsmith acredita que “um dos aspectos notáveis deste estudo consiste nos métodos usados para determinar a temperatura das folhas”. Para o cientista, é “admirável” poder espreitar o que se passa no manto verde tropical a partir de um instrumento, o radiómetro da missão Ecostress, que está a orbitar na Estação Espacial Internacional, a cerca de 400 quilómetros da Terra e numa velocidade de 29.000 quilómetros por hora.
A missão Ecostress oferece medições precisas da temperatura das plantas, segundo a página da agência espacial norte-americana (NASA, na sigla em inglês). As plantas conseguem regular a própria temperatura libertando vapor de água através dos estómatos, que são pequeninos poros localizados na superfície das folhas. De algum modo, é uma forma de transpiração vegetal. Se a disponibilidade hídrica não for satisfatória, as árvores começam a falhar na termorregulação e esse aumento de temperatura pode ser medido a partir do espaço.
As medições em causa foram feitas entre 2018 e 2020 e complementadas com um conjunto de dados recolhidos no terreno. Sensores de temperaturas foram instalados em copas de árvores, folha a folha, “meticulosamente”, pelas mãos de cientistas como Christopher Doughty, primeiro autor do estudo.
Este trabalho moroso é fundamental, garantem, uma vez que cada folha responde de maneira díspar à temperatura do ar e à disponibilidade de água. Aspectos como a posição, o tamanho, a espessura e o formato desta estrutura vegetal condicionam a resposta às condições ambientais.
“A copa é onde a maior parte da acção acontece, pois é ali que as folhas estão a retirar carbono da atmosfera”, descreve o co-autor Martijn Slot, do Instituto Smithsonian de Investigação Tropical, localizado no Panamá. E é também na cobertura da floresta que se enfrentam desafios que vão, por exemplo, desde a dificuldade de chegar ao topo da árvore à necessidade de repor sensores que caíram durante uma tempestade.
“Este estudo é importante, porque – acredite se quiser – nós não sabemos muito sobre como as árvores morrem. Sabemos que, quando vem uma tempestade forte, e as raízes são arrancadas, a árvore morre. O mesmo num incêndio. Mas não conhecemos bem os efeitos interactivos da água e da temperatura. Penso que este estudo nos ajuda a começar a colmatar algumas lacunas”, acrescentou Gregory Goldsmith, especialista em fisiologia vegetal.