Florestas tropicais podem ficar demasiado quentes para haver fotossíntese

Estudo indica que uma minúscula fracção das folhas que cobrem as florestas tropicais pode já estar a aproximar-se de um limite máximo de temperatura, a partir do qual a fotossíntese falha.

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Vista aérea da floresta amazónica Nelson Garrido
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Aprendemos na escola que, através da fotossíntese, os vegetais são capazes de produzir a própria energia, usando a luz solar para transformar dióxido de carbono e água em oxigénio e “açúcares”. Contudo, existe um limite de temperatura a partir do qual este processo metabólico deixa de funcionar. Um estudo da revista científica Nature, publicado esta quarta-feira, sugere que uma minúscula fracção das folhas que compõem o manto verde das florestas tropicais pode já estar a aproximar-se desse limiar máximo.

“Este é o primeiro estudo a determinar quão perto as copas das florestas podem estar desses limites máximos”, afirmou o co-autor Gregory Goldsmith, professor da Universidade de Chapman, na Califórnia, nos Estados Unidos, durante uma conferência de imprensa virtual. A partir dos 46,7 graus Celsius, em média, os mecanismos de fotossíntese começam a deixar de funcionar nas árvores tropicais.

O artigo na Nature estima que 0,01% de todas as folhas já ultrapassem hoje essa fronteira decisiva. O estudo prevê que este valor poderá aumentar para 1,4% em condições futuras de aquecimento do planeta.

O co-autor Joshua Fisher, também da Universidade de Chapman, sublinhou que, apesar de 0,01% da folhagem tropical parecer algo irrisório, este valor serve de alerta “para que possamos actuar agora”. Para o efeito, será necessário um esforço tanto de limitação do desflorestamento, como de redução drástica de emissão de gases com efeito de estufa.

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Uma das florestas tropicais mais antigas e mais isoladas do mundo, no nordeste australiano ALEXANDER SCHENKIN

Se nada for feito para proteger as florestas tropicais do aumento da temperatura planetária, há um risco duplo: a degradação de um património considerado único em termos de biodiversidade e, como consequência dessa perda, a diminuição da capacidade global de capturar carbono.

O modelo matemático elaborado pelos autores sugere ainda que as florestas tropicais podem tolerar uma subida da temperatura do ar de até 3,9 graus Celsius, patamar a partir do qual a cobertura vegetal pode entrar num território desconhecido, possivelmente “um ponto de não retorno”.

“Queríamos compreender melhor como é que o aquecimento do planeta, como resultado das alterações climáticas, vai afectar as florestas tropicais. Uma das razões [do nosso interesse] está no facto de estas áreas acolherem muitas das espécies que desejamos que sobrevivam, mas também porque estas mesmas florestas são importantes para a própria regulação do clima”, explicou Christopher Doughty, primeiro autor do estudo e investigador da Universidade do Norte do Arizona, nos Estados Unidos.

Sensores folha a folha

Os cientistas recorreram a dados obtidos a partir tanto de observações no terreno como no espaço. Foram usadas medições de alta resolução das temperaturas da superfície terrestre, com especial incidência em áreas correspondentes a florestas tropicais no Brasil, em Porto Rico e na Austrália.

Os autores concluíram que o valor médio das temperaturas máximas na parte superior das copas seja, por volta do meio-dia e durante períodos secos, de 34 graus Celsius. Uma pequena parte das áreas observadas chegou a ultrapassar a fasquia dos 40 graus Celsius. E, como já referido acima, 0,01% da folhagem superior transpôs a perigosa linha a partir da qual a função metabólica está em risco.

Gregory Goldsmith acredita que “um dos aspectos notáveis deste estudo consiste nos métodos usados para determinar a temperatura das folhas”. Para o cientista, é admirável poder espreitar o que se passa no manto verde tropical a partir de um instrumento, o radiómetro da missão Ecostress, que está a orbitar na Estação Espacial Internacional, a cerca de 400 quilómetros da Terra e numa velocidade de 29.000 quilómetros por hora.

A missão Ecostress oferece medições precisas da temperatura das plantas, segundo a página da agência espacial norte-americana (NASA, na sigla em inglês). As plantas conseguem regular a própria temperatura libertando vapor de água através dos estómatos, que são pequeninos poros localizados na superfície das folhas. De algum modo, é uma forma de transpiração vegetal. Se a disponibilidade hídrica não for satisfatória, as árvores começam a falhar na termorregulação e esse aumento de temperatura pode ser medido a partir do espaço.

As medições em causa foram feitas entre 2018 e 2020 e complementadas com um conjunto de dados recolhidos no terreno. Sensores de temperaturas foram instalados em copas de árvores, folha a folha, “meticulosamente”, pelas mãos de cientistas como Christopher Doughty, primeiro autor do estudo.

Este trabalho moroso é fundamental, garantem, uma vez que cada folha responde de maneira díspar à temperatura do ar e à disponibilidade de água. Aspectos como a posição, o tamanho, a espessura e o formato desta estrutura vegetal condicionam a resposta às condições ambientais.

“A copa é onde a maior parte da acção acontece, pois é ali que as folhas estão a retirar carbono da atmosfera”, descreve o co-autor Martijn Slot, do Instituto Smithsonian de Investigação Tropical, localizado no Panamá. E é também na cobertura da floresta que se enfrentam desafios que vão, por exemplo, desde a dificuldade de chegar ao topo da árvore à necessidade de repor sensores que caíram durante uma tempestade.

“Este estudo é importante, porque – acredite se quiser – nós não sabemos muito sobre como as árvores morrem. Sabemos que, quando vem uma tempestade forte, e as raízes são arrancadas, a árvore morre. O mesmo num incêndio. Mas não conhecemos bem os efeitos interactivos da água e da temperatura. Penso que este estudo nos ajuda a começar a colmatar algumas lacunas”, acrescentou Gregory Goldsmith, especialista em fisiologia vegetal.

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