Produção de cereais de Inverno foi a “pior de sempre”, confirma o INE

Seca e calor excessivo penalizam a produção agrícola deste Inverno, mas há “boas perspectivas para a vindima” e o arroz.

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Há “extensas áreas” do país com teores de humidade do solo inferiores a 10% Matilde Fieschi
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A produção de cereais de Inverno está em mínimos históricos devido à ausência de chuva, que voltou a pôr a generalidade do país em situação de seca, agravando um cenário que já se arrasta desde 2022.

Com a colheita dos cereais para grão de Outono/Inverno já concluída, pode confirmar-se que a actual campanha foi “a pior de sempre para todas as espécies cerealíferas, resultado dos decréscimos de área e de produtividade”, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE).

“Os cereais semeados tardiamente após as chuvas de Dezembro e Janeiro foram muito penalizados, com emergências e desenvolvimento vegetativos fracos”, descreve o INE, nas previsões agrícolas à data de 31 de Julho, divulgadas esta sexta-feira.

A ausência de chuva na Primavera combinada com as temperaturas altas “prejudicaram muito o desenvolvimento vegetativo dos cereais praganosos de sequeiro, promovendo o seu adiantamento e o espigamento precoce”.

O INE destaca mesmo que, neste quadro de baixa produtividade (extensível a outros países do Sul da Europa), os produtores de cereais de sequeiro que se candidataram aos fundos do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC) “poderão, na sua maioria, não ser elegíveis, em virtude de não cumprirem as produtividades mínimas” que a medida exige.

Com 96,9% do território do continente em situação de seca e 34,4% do território a sul do Tejo em seca severa ou extrema, o problema da alimentação animal continua a agravar-se e a escassez de produção de matéria verde para o pastoreio já “obrigou à antecipação da suplementação dos efectivos pecuários em regime extensivo com alimentos conservados”.

O aumento da procura de fenos, fenossilagens, silagens e palha fez com que os preços da alimentação para os animais duplicassem face a 2022, destaca o INE, explicando que no Alentejo há “decréscimos de produtividade de matéria verde entre os 20% e os 80%” e que a maior quebra tem sido observada nos concelhos de Castro Verde, Ourique, Mértola e Almodôvar. “A norte do Tejo a situação não assume a mesma gravidade”, acrescenta o instituto.

O prolongamento da situação de seca “afectou o desenvolvimento das culturas de sequeiro, em especial os cereais, prados, pastagens e culturas forrageiras, mas também algumas culturas permanentes” e, no regadio, a antecipação e o aumento da frequência das regas obrigaram a limitações na utilização da água nos regadios públicos e privados de algumas zonas do Alentejo e no barlavento algarvio, resume o INE.

Em algumas destas zonas registam-se mesmo “alguns constrangimentos” na disponibilização de água para consumo animal.

Estes problemas têm sido ultrapassados com “recurso ao transporte de água para a exploração e/ou utilização de fontes de abeberamento de explorações vizinhas”.

O teor de água no solo, que é medido em relação à capacidade de água utilizável pelas plantas, diminuiu nos últimos dias de Julho, face ao final de Junho, em todo o território continental. Mas esta diminuição foi “mais significativa no interior norte, vale do Tejo, Alentejo e Algarve”, em que há já “extensas áreas” com teores de humidade do solo inferiores 10%.

Nalguns locais alcançou-se mesmo “o ponto de emurchecimento permanente”, o que significa que se atingiu um nível de “humidade do solo abaixo do qual as plantas são incapazes de extrair água”.

Quebra nas frutas e tomate

A instalação das culturas de Primavera/Verão decorreu com normalidade, com a campanha de regadio assegurada em 60 albufeiras hidroagrícolas, mantendo-se em cinco albufeiras as restrições de utilização de água para rega que já vinha do ano passado. A albufeira do Alqueva, na bacia hidrográfica do Guadiana, “continua a destacar-se pela positiva, apresentando um nível de armazenamento de 73% da sua capacidade total”.

Em contrapartida, verifica-se a “situação de escassez hídrica nas albufeiras de Santa Clara (bacia hidrográfica do Mira) e do Roxo (bacia do Sado), com níveis de armazenamento de 33% e 26% da capacidade total, respectivamente. Também as albufeiras do Monte da Rocha e de Campilhas (Sado) e da Bravura (Arade e Ribeiras do Algarve) “se encontram com níveis de armazenamento que impedem a sua utilização na vertente de regadio”.

“De um modo geral, as culturas de Primavera/Verão apresentam um regular desenvolvimento, embora no caso do tomate para a indústria se antevejam produtividades inferiores ao normal”, explica o INE.

A colheita do tomate iniciou-se na terceira semana de Julho e, embora as searas tenham apresentado um desenvolvimento normal, “a onda de calor de Junho provocou algum aborto na floração”. Assim, apesar de a produtividade poder superar em 5% a alcançada na campanha anterior, deverá ser inferior em 4% à da média dos últimos cinco anos.

Já os pomares de pereiras e macieiras deverão registar decréscimos de produtividade pelo segundo ano consecutivo, de 10% e 15%, respectivamente.

No caso da pêra-rocha, o INE explica que poderá verificar-se uma quebra de produção de 10% (como “resultado principalmente da quebra esperada no Alto Oeste (-20%))” devido a um “Inverno ameno que condicionou a diferenciação floral”, ao “calor excessivo durante a floração e, na fase final do ciclo, [à] falta de humidade e [às] temperaturas anormalmente elevadas, que prejudicaram o crescimento dos frutos”.

São quebras inferiores à da produção de cereja, que foi menos de metade (-55%) da campanha anterior”. Os pomares “foram fortemente afectados pelas condições climatéricas adversas”, como a falta de horas de frio, acentuadas amplitudes térmicas diurnas/noturnas, e “temperaturas muito elevadas, que aceleraram a maturação dos frutos e impediram que estes alcançassem o calibre normal”.

Por outro lado, a chuva, quando apareceu, também causou estragos: “A precipitação ocorrida nos últimos dias de Maio até ao final da primeira quinzena de Junho, quando decorria a colheita, provocou o fendilhamento e rachamento dos frutos, limitando a qualidade e o poder de conservação.”

Aumento no vinho, arroz e amêndoa

Mas nem tudo são más notícias, já que este ano há “boas perspectivas para a vindima” nas várias regiões do país.

Refere o INE que deverá “registar-se uma antecipação das vindimas, face ao habitual” e que, “exceptuando alguns ataques de míldio e oídio, fortes na região dos Vinhos Verdes e em certas zonas do centro, não se registaram acidentes sanitários de relevância”, graças ao tempo quente, a ausência de precipitação e a “correcta gestão das operações culturais na vinha”.

Assim, estão previstos “aumentos de produtividade em todas as regiões (excepto no Dão, que deverá manter a alcançada no ano anterior), devendo o rendimento unitário global atingir os 42 hectolitros/hectare (+8%, face à vindima de 2022)”. Na uva de mesa, prevê-se um aumento de 10% na produtividade.

E se a produção de batata de sequeiro decresceu “para níveis historicamente baixos”, no caso da batata de regadio espera-se “um ano normal” e no arroz é de prever mesmo um aumento de 5% na produtividade face a 2022.

Dos pomares de pessegueiros espera-se, “apesar das condições meteorológicas adversas, designadamente a seca e as elevadas temperaturas”, que as produtividades sejam “próximas das normais”, com uma quebra de 6% face à média do último quinquénio, e, quanto à produtividade da amêndoa, “deverá aumentar pelo terceiro ano consecutivo”.

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