Costa portuguesa está mais quente, mas escapa à vaga de calor no Atlântico Norte

Fenómeno de afloramento costeiro, que consiste na subida de águas profundas mais frias, é a principal razão para temperaturas da superfície do mar mais baixas junto a Portugal continental.

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No Atlântico Norte, a temperatura à superfície esteve 1,05 graus Celsius acima da média para o mês de Julho paulo pimenta
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Estes últimos meses têm sido marcados por vários recordes de temperaturas, tanto no ar como nos oceanos. Julho foi mais um marco histórico, com novos máximos de temperatura. Durante esse período crítico, que teve vagas de calor em vários pontos do globo, como o Mediterrâneo, Portugal foi poupado, tanto nas temperaturas sentidas em terra como nos registos marítimos. Há dois motivos principais, intimamente ligados: o anticiclone dos Açores e o fenómeno de afloramento costeiro.

Depois de um mês de Junho que foi muito quente e seco, Portugal escapou à onda de calor que assolou o Sul da Europa no mês de Julho. Alessandro Marraccini, meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), explicava então ao PÚBLICO que o posicionamento do anticiclone dos Açores fez com que Portugal continental fosse atingido por massas de ar frescas vindas de norte.

Nos oceanos também se tem registado, desde a Primavera, uma escalada de temperatura nunca vista. A média global da temperatura à superfície atingiu 20,9 graus Celsius (ºC) em Julho, cerca de meio grau acima do valor médio de 1991 a 2020, de acordo com um relatório do Serviço de Alterações Climáticas do programa europeu Copérnico. No Atlântico Norte, as águas estiveram 1,05ºC acima da média para o mês. No entanto, à semelhança do que aconteceu com a vaga de calor atmosférico, Portugal não registou temperaturas anormalmente altas nas águas da costa continental.

Segundo dados do Serviço de Monitorização do Meio Marinho do Copérnico (CMEMS) recolhidos e analisados pelo PÚBLICO, Julho foi um mês de descida e estabilização das temperaturas do mar à superfície na costa de Portugal continental. O motivo principal é o fenómeno de afloramento costeiro, ou upwelling, que acontece devido à movimentação de massas de ar vindas do Norte, explica Isabel Iglesias, investigadora do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (Ciimar) na área da oceanografia física.

Este fenómeno oceanográfico caracteriza-se pela deslocação das águas superficiais provocada pelo vento, que leva a um “afloramento de águas profundas, mais frias”. A situação é normal nos meses do Verão, estando associada à típica nortada sentida nas praias da costa Oeste de Portugal – um vento de Norte-Noroeste que está relacionado com o anticiclone dos Açores.

Isabel Iglesias refere que o fenómeno ainda se tem verificado sem alterações, apesar do aumento da temperatura global e de outras mudanças verificadas.

“Pode ser mais ou menos intenso, mais ou menos prolongado, mas é por isso que aqui em Portugal não se vê, junto à orla costeira, essa anomalia de temperatura, para já”, continua a investigadora, adiantando que a comunidade científica não sabe de que forma é que as alterações climáticas poderão afectar o upwelling.

“As alterações climáticas não são só o aquecimento da água do mar. Vão produzir mudanças nos padrões de ventos e, produzindo esse tipo de mudanças, podem produzir alterações na intensidade do upwelling”, refere, sublinhando a importância que este fenómeno tem para Portugal.

“O upwelling é sumamente importante para as pescas. Para além da água fria, traz os nutrientes do fundo, que voltam a ficar suspensos nas camadas de água superiores. Não teríamos sardinha se não houvesse upwelling”, avisa.

Além do afloramento costeiro, Isabel Iglesias aponta outros factores, como as fozes dos rios e as correntes muito próprias de circulação local, devido à costa – sendo essa a razão para que este tipo de análise seja habitualmente feito em maior escala, ao nível de bacias oceânicas.

Recordes na costa portuguesa

Apesar de não estar a acompanhar a subida galopante verificada no Atlântico Norte, a temperatura da água do mar à superfície na costa portuguesa atingiu valores recorde no primeiro semestre de 2023: o ano começou com registos históricos para o mês de Janeiro, embalado por um fim de 2022 com valores de temperatura altos para a estação. Em Junho, o dia 24 teve uma temperatura média de 20,3ºC, o registo mais alto de sempre nesse mês desde 1993, o ano em que começa a base de dados histórica do Copérnico.

As primeiras três semanas de Julho, ainda que abaixo dos registos globais do Atlântico Norte, estiveram acima da média de temperatura de 1993 a 2021. Apenas um curto período em meados de Maio e alguns dias de Julho e Agosto viram as temperaturas do mar descer abaixo do valor médio calculado.

“Sempre houve anos que foram mais quentes e outros que foram mais frios, tanto a nível do oceano como da atmosfera. Tem a ver com o próprio equilíbrio do sistema Terra”, refere ​Isabel Iglesias. Mas essa variabilidade não retira urgência ao tema das alterações climáticas: “As alterações climáticas estão aí, e são uma coisa com a qual nos devemos preocupar. As ondas de calor que tivemos ultimamente não são normais, nem os eventos extremos a que estamos a assistir.”

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