Nesta Sevilha portuguesa há sossego e o resto é paisagem

Na aldeia de Sevilha, distrito de Coimbra, o tempo corre devagar, contrariando o ritmo da água que jorra da sua cascata. Não há cafés, nem restaurantes, mas aos habitantes nunca falta o pão à porta.

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Sevilha, Tábua Adriano Miranda
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Não fosse o som da televisão que ecoa numa das casas e o gato que espreita por uma varanda e seríamos levados a imaginar que ali já não vivia gente de forma permanente. Estrada acima, estrada abaixo, escadas e escadinhas, e ainda terão de passar uns 30 minutos até darmos de caras com os primeiros moradores da aldeia. Tinham ido buscar ovos a uma vizinha, mas preferem remeter-se ao silêncio quando sabem ao que vimos.

Mais à frente, noutra estrada, Vasco Almeida Pereira não se incomoda em interromper a caminhada e fazer as honras da casa, que é como quem diz as honras da aldeia. Foi ali, em Sevilha, município de Tábua, que nasceu, há 81 anos, e nunca mais saiu. Hoje, conta-nos, “nem 20 pessoas” vivem nesta aldeia do distrito de Coimbra, mas já houve tempos em que havia “mercearia e escola”. “Agora, tem sossego”, anuncia, com o tom próprio de quem gostava de ver a sua terra com mais gente e mais arranjada.

“Podíamos ter uma praia fluvial como ninguém tem e vejam como está”, lamenta, aludindo à falta de investimento na envolvente daquelas que são as verdadeiras pérolas da aldeia, a cascata e os moinhos do Rio Cavalos, curso de água que vai desaguar no Mondego.

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CM Tábua
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O cenário é digno de um postal, com a água a cair, de forma enérgica, por entre o rochedo. Não é de estranhar a fama daquela queda de água e o poder que ela tem na atracção de forasteiros, como Hugo Poté e Nelson Santos, que tinham percorrido vários quilómetros de mota à procura daquele “ponto de interesse”. “Valeu a pena a viagem, tanto mais que, no nosso caso, nunca é tanto pelo destino, mas mais pelo percurso. Ainda assim, a zona da cascata podia estar mais arranjada e ter uma placa informativa”, repararam, poucos minutos antes de voltarem a fazer-se à estrada, para o regresso à Lousã.

Rendidos ao sossego

Prosseguimos a caminhada por entre o casario antigo, parte dele com portas e janelas totalmente cerradas. Sevilha foi vendo partir alguns dos seus habitantes, mas também ganhou outros. É o caso de Helena Nunes, de Lisboa, que adoptou Sevilha como a sua terra. “Eu e o meu marido viemos cá visitar uns amigos, há mais de 20 anos, e ficámos apaixonados pela aldeia. Decidimos comprar uma casinha e um pinhal”, conta-nos. Aos 74 anos, anda “cá e lá”, entre Sevilha e Lisboa, mas se pudesse passava ainda mais tempo na aldeia que, de acordo com o que lhe contaram, deve o nome ao facto de já ter sido palco de touradas.

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A tese não é consensual. “Segundo ouvi dizer, o nome vem do tempo das Invasões Francesas”, testemunha, por seu turno, Armando Santos, outro dos habitantes da aldeia. Aos 90 anos, vai passando parte do dia à porta de casa, a ver quem passa. De manhã cedo, recolhe o pão que o padeiro deixou de madrugada. Ao início da tarde, e já depois de ter comido a refeição que lhe é entregue, diariamente, pelo Centro de Dia de Espariz, ruma ao café da Associação Recreativa Sevilhense. “É o meu vício. Vou pelo café e pela companhia”, conta-nos o antigo motorista que foi parar a Sevilha em 1957, quando se casou. Hoje, já viúvo, não abdica do “sossego” e do espírito familiar que caracteriza a aldeia. “Aqui, toda a gente se conhece”, enaltece.

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adriano miranda
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A escola com vista para o vale

Atravessamos a ponte medieval que cruza o rio Cavalos para subir até à antiga escola primária da aldeia. “Edifício construído sob o governo da ditadura nacional. Ano de 1928”, anuncia a placa de mármore pregada na fachada principal. As portas estão fechadas e, a avaliar pela erva que foi crescendo à volta do edifício, a antiga escola, actualmente Centro de Juventude, não deverá ser dos locais mais visitados de Sevilha. O que não deixa de ser curioso, pois é a partir daquele ponto alto que nos é oferecida uma vista panorâmica de toda a aldeia e envolvente.

É também na antiga escola primária que tem início o Caminho do Xisto de Sevilha. O trilho tem 11,5 quilómetros de extensão (são necessárias 3h30 para o percorrer) e, além das cascatas e quedas de água, passa por vários aglomerados de pedras graníticas, com especial destaque para a Pedra da Sé, que constitui um miradouro sobre o rio Mondego e o espelho de água criado pela barragem da Aguieira. Ao longo da caminhada, vai ser também possível apreciar um cenário pontuado por pinheiros, sobreiros, cedros e carvalhos, onde aves como o pica-pau e milhafre têm o seu habitat, assim como as raposas, coelhos e javalis.

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Tudo o resto é paisagem (e pessoas), uma vez que Sevilha não tem restaurantes, minimercados, nem cafés — à excepção do espaço da associação, que só abre à hora da “bica” de almoço —, dependendo para quase tudo da sede do concelho. Menos mal que Tábua está a apenas dois quilómetros de distância. “Todos os dias vou a Tábua a pé e venho”, garante Vasco Almeida Pereira, que ainda vai passando parte dos seus dias no campo.

Ali, o tempo corre devagar, contrariando o ritmo da água que jorra da cascata. Ainda assim, os turistas vão aparecendo, quase sempre “à procura da cascata e dos moinhos”, conta-nos Paulo Costa, motorista de passageiros e agricultor nas horas vagas. Nascido e criado na aldeia, não troca Sevilha por nenhuma outra terra, apesar de lhe entristecer ver tantas casas abandonadas. “No meu tempo de escola éramos 40 e tal alunos”, testemunha, lamentando o êxodo. “Muitos emigraram, os mais velhos foram morrendo”, explica, antes de voltar a pegar no tractor para ir tratar dos cultivos que, volta e meia, os javalis teimam em destruir.

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Os moinhos que tanta fama dão à terra também já não são o que eram. “Só um é que está a ser usado. Os outros dois ficaram ao abandono quando o moleiro morreu”, conta, por seu turno, Vasco Almeida Pereira. Felizmente que a tradição da Festa em Honra de São Miguel tem conseguido resistir ao passar do tempo. O cartaz da edição deste ano está já afixado junto à porta da Associação Recreativa Sevilhense. Para dia 1 de Outubro, está garantido um convívio e lanche, depois da missa solene na Capela de São Miguel, e “muitas surpresas durante a tarde”, é anunciado no panfleto que exorta os locais a trazerem um amigo.

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A origem do nome

Não é consensual de onde chegou a designação de Sevilha a esta aldeia do concelho de Tábua. Há quem diga que o nome vem do tempo das Invasões Francesas e quem assevere que se de deve ao facto de aqui já se terem realizado touradas.

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