Há (outra vez) centenas de carvalhos-negrais a secar na serra de S. Mamede

Pelo terceiro ano consecutivo a organização ambientalista Quercus acusa o ICNF de não prestar esclarecimentos sobre as causas do fenómeno.

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Fotografia do fenómeno tirada em 2023 Nuno Alegria/DR
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Desde 2021 que, nesta altura do ano, José Janela alerta para o aparecimento de “centenas” de carvalhos-negrais (Quercus pyrenaica) com as folhas secas nos concelhos do Alto Alentejo, Crato, Nisa, e no Parque Natural da Serra de S. Mamede (Castelo de Vide, Marvão e Portalegre).

O quadro descrito pelo dirigente do núcleo da Quercus de Portalegre repete-se desde aquele ano: as árvores apresentam tonalidades amareladas, “nada comuns em pleno Verão e as folhas caem muito antes do tempo, desnudando os ramos”, refere o núcleo de Portalegre da Quercus através de um comunicado.

A organização ambientalista refere ter questionado o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) em Julho de 2021, em Agosto de 2022 e na última semana, numa tentativa de apurar a origem do fenómeno que estava a afectar um número crescente de carvalhos-negrais, mas não obteve qualquer explicação. A Quercus diz que “seria importante que se investigasse se existe alguma praga ou doença” que está a afectar a vitalidade das árvores.

O assunto foi exposto pela Quercus em várias reuniões da Comissão de Co-gestão do Parque Natural da Serra de S. Mamede, mas também não foi obtida qualquer resposta.

Apenas se presume que o problema possa estar associado à seca e ao calor intenso que se faz sentir. A Quercus apela a que se faça uma investigação rigorosa, pois receia que “os ecossistemas do Alto Alentejo possam estar em perigo”.

A serra de S. Mamede representa praticamente o limite sul da distribuição desta espécie em Portugal, constituindo uma “ilha ecológica”, rodeada pela planície alentejana, de influência mediterrânica, mais seca.

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As folhas dos carvalhos-negrais secas José Janela/DR

São “muitos hectares” de área coberta com carvalho-negral, acrescentou José Janela ao PÚBLICO, referindo que se trata de uma espécie que ocorre principalmente no Norte e centro do país, mas que “tem na serra de S. Mamede um núcleo importante”, que se encontra isolado das restantes populações. No Norte alentejano, os carvalhos-negrais integram o sistema de montado.

Zona de grande biodiversidade

A presença desta espécie na serra de S. Mamede beneficia do relevo elevado – o ponto mais alto a sul do Tejo com 1027 metros – que funciona como uma barreira de condensação da humidade. José Janela explica que o ar, “vindo do oceano, sobe, arrefece”, facto que provoca uma maior precipitação na serra do que nas zonas circundantes. Esta elevação surge, assim, como uma “ilha climática” que dá suporte a uma “grande” biodiversidade de flora e de fauna.

O número de exemplares secos observa-se com “maior intensidade nas zonas mais baixas da serra de S. Mamede, sobretudo nas árvores isoladas", constata o dirigente da Quercus.

Os locais onde existem carvalhos-negrais “são habitats para uma grande diversidade de seres vivos, desde aves, mamíferos, insectos, répteis e anfíbios, até uma grande variedade de cogumelos”. E a seca destas árvores “pode levar à destruição destes ecossistemas”, admite o dirigente da Quercus, avançando outra possível causa para a desflorestação do carvalho-negral: na zona dos povoamentos observa-se a erosão dos solos e este pormenor tem consequências directas nas raízes das árvores. O carvalho-negral não dispõe de nenhuma protecção legal.

O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) reconheceu ao PÚBLICO que “ainda não existe um diagnóstico que aponte claramente para o agente ou agentes que possam estar na origem da sintomatologia detectada” ou seja, a persistente seca que está a afectar centenas de carvalhos negrais Quercus pyrenaica Willd, nos concelhos de Portalegre, Castelo de Vide e Marvão.

Este organismo presume que a sintomatologia detectada possa ser “provocada por diferentes factores, quer de natureza biótica (pragas e doenças que afectem os exemplares arbóreos) quer de natureza abiótica (como os de carácter físico, ou relativos aos solos e ao clima, nomeadamente stress hídrico).”

A ocorrência de alterações climáticas, fenómeno que se tem agravado particularmente nos últimos anos, e a vaga de calor que se tem feito sentir na região, “poderá também contribuir para a secura e queda prematura das folhas de diversas espécies, incluindo os carvalhos”, frisando que estes sinais realçam uma “resposta fisiológica da árvore” para protecção e redução do processo de transpiração.

O ICNF também não dispõe de dados sobre a área ou número de árvores afectadas, acrescentando que os resultados obtidos nas observações, entretanto efectuadas, “ainda são insuficientes para permitir validar e definir uma metodologia de actuação.”

Durante o ano de 2023, o ICNF que tem contado com a colaboração e com o apoio científico do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), implementaram e participaram nas seguintes actividades: abate de dois exemplares de carvalho-negral, cujo material vegetal foi remetido para o INIAV, e foram instaladas 16 armadilhas para captura de insectos, em especial Cerambyx cerdo L. e Cossus cossus.

Por enquanto, os resultados obtidos “ainda são insuficientes” para permitir validar e definir uma metodologia de actuação, acentua o ICNF. As acções desencadeadas tiveram o apoio e a colaboração de proprietários/arrendatários de povoamentos de carvalhais, da equipa de Sapadores Florestais do Município de Castelo de Vide e da Junta de freguesia de Póvoa e Meadas.

Notícia actualizada às 16h29 de 21 de Agosto: foram acrescentadas as respostas do ICNF ao PÚBLICO.

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