Corrida a ouro, prata e cobre regressa ao Parque Natural do Vale do Guadiana

Num território onde se estão a investir 25 milhões de euros na reabilitação ambiental das minas abandonadas é retomada a pesquisa de cobre, chumbo, zinco, estanho, ouro e prata.

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Minas de S. Domingos Daniel Rocha
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Está em preparação mais uma corrida aos depósitos minerais de cobre, zinco, estanho, chumbo, ouro e prata na região alentejana. A Almina — Minas do Alentejo SA pretende realizar trabalhos de pesquisa num território com cerca de 500 quilómetros quadrados situado nos concelhos de Mértola e Castro Verde no distrito de Beja. A área em análise sobrepõe-se em grande parte com o Parque Natural do Vale do Guadiana, abrangendo também Zonas de Protecção Especial e Zonas Especiais de Conservação.

A Almina sublinha na “memória descritiva” que acompanha o pedido de atribuição de direitos de prospecção e pesquisa na área já descrita que esta se insere nas imediações e prolongamento de estruturas geológicas onde se encontram as antigas Minas de São Domingos e Chança, “no sector norte da Faixa Piritosa Ibérica (FPI), próximo da fronteira luso-espanhola”.

A FPI, que se projecta por uma vasta área das províncias do Alentejo e Algarve, Huelva e Sevilha, numa extensão com 250 quilómetros de comprimento e cerca de 50 quilómetros de largura, foi marcada por dramas sociais e ambientais desde que se iniciaram as extracções de minério há 4500 anos.

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Minas de S. Domingos Daniel Rocha

O “potencial geológico mineiro” do território abrangido, acentua a empresa mineira, “tem sido alvo de vários projectos de prospecção, realizados pela Somincor, Sociedade Mineira Rio Artézia Lda, Billiton, AGC e MAEPA-Empreendimentos Mineiros e Participações, Lda.

Com esta última empresa que se encontra na “lista negra” da União Europeia por estar ligada a uma offshore nos Barbados, o Estado português, através da Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), assinou 21 contratos de exploração, a nível nacional, de ouro e prata que vigoraram entre 2008 e 2020, divulgou, no passado mês de Fevereiro, a CNN Portugal. A empresa tem várias explorações na região do Alentejo, controlando uma área de aproximadamente 1753 quilómetros quadrados.

Estas licenças permitiram que a empresa fizesse, entre 2012 e 2015, uma descoberta na região de Alvalade Sado de uma vasta área rica em cobre, chumbo, zinco, juntamente com algum ouro e prata.

Também durante escavações realizadas na povoação do Alvito, a MAEPA identificou mineralizações ricas em prata que interceptaram depósitos de óxido ferro-cobre-ouro. Estes levantamentos que reafirmam a FPI como uma das províncias metalogenéticas “mais importantes do mundo” estende-se entre Portugal e Espanha através das províncias do Alentejo e Algarve, Huelva e Sevilha.

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Minas de S. Domingos Daniel Rocha

Estes projectos acabaram por dar origem a campanhas de sondagens, campanhas de cartografia geológica, levantamentos geoquímicos e geofísicos, “para ajudar a contribuir para o conhecimento geológico da área” e melhor definir os alvos concretos para investigação através de sondagens (obtenção de perfis geológicos).

O impacto na água, fauna e flora de uma zona protegida

A Almina assume no seu programa de trabalhos que “será sempre tida em conta a elevada importância de todos os aspectos ambientais, paisagísticos ou arqueológicos” no território onde vão decorrer as intervenções, cumprindo integralmente a Lei vigente” sublinha a empresa.

Contudo, a dimensão das prospecções a efectuar e num território que integra a Reserva Ecológica Nacional (REN) induz os inevitáveis receios em relação ao impacto que possam vir a causar nas linhas de água, nos aquíferos subterrâneos, no património arqueológico e nos ecossistemas.

No parecer elaborado pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo (CCDR) para a proposta da Almina esclarece-se que a área em análise se sobrepõe “em larga escala” com o Parque Natural do Vale do Guadiana, abrangendo também Zonas de Protecção Especial e Zonas Especiais de Conservação.

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Minas de S. Domingos, Mértola ADRIANO MIRANDA

“São extraordinariamente frágeis, do ponto de vista patrimonial territórios como o do complexo mineiro de S. Domingos, da mina do Chança, de Mértola e os seus arrabaldes”, alerta a Direcção Regional de Cultura do Alentejo.

A Direcção Regional de Conservação da Natureza e Florestas considera ainda que “são expectáveis impactes significativos nos valores naturais”, no decorrer das inúmeras prospecções que venham a ser efectuadas, lembrando que “é proibido perturbar a avifauna, nomeadamente durante o período de reprodução, de dependência, de hibernação e de migração”.

A memória de uma herança trágica

As preocupações expressas pelos organismos públicos têm implícita a herança das 175 minas abandonadas que foram inventariadas em Portugal pela Empresa de Desenvolvimento Mineiro SA no projecto “Mineração, Minerais e Desenvolvimento Sustentável”, cujo relatório foi apresentado em 2022.

O documento destaca a transfiguração a que foi sujeita entre 1858 e 1965 a paisagem dentro dos cerca de 400 hectares afectados pelas extracções na mina de S. Domingos, que detém um enorme simbolismo na cota onde permanecem águas muito ácidas (pH inferior a 3).

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Minas de S. Domingos, Mértola ADRIANO MIRANDA

A recuperação do couto mineiro de S. Domingos tem orçado um investimento de 20 milhões de euros e em Aljustrel já foram aplicados 5 milhões de euros. Nas suas proximidades vai ser retomada a prospecção de mais filões polimetálicos.

Nuno Forner, da organização ambientalista Zero lembrou na sequência da denúncia feita pela CNN Portugal sobre a empresa MAEPA como a legislação pode ser permissiva na salvaguarda do interesse público: “Existe um compromisso do promotor que, à medida que vai explorando, também vai fazendo a recuperação.” Contudo, “nada impede que haja um problema qualquer e a empresa fechar e depois o ónus passar para o Estado”, concluiu.

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