Novo supercondutor cria frenesim nos investidores, mas cientistas estão cépticos

Publicações de cientistas sul-coreanos desencadearam entusiasmo e cautelas sobre a potencial descoberta de um supercondutor à temperatura ambiente - uma antiga ambição na área da física.

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O LK-99, material criado pela equipa sul-coreana, a "levitar" momentaneamente num vídeo publicado pelos cientistas O material LK-99 a "levitar" por momentos num vídeo da equipa/DR

Na semana passada, dois artigos científicos de cientistas sul-coreanos afirmaram algo extraordinário que provocou um frenesim nas redes sociais e aumentou o preço das acções de algumas empresas na China e na Coreia do Sul: desenvolveram um supercondutor que funciona à temperatura e pressão ambiente.

Os supercondutores são materiais que permitem que a corrente eléctrica circule sem resistência, uma propriedade que revolucionaria as redes eléctricas onde a energia é perdida na transmissão, bem como em áreas avançadas como os chips de computação, onde a resistência eléctrica actua como um limite de velocidade.

Os artigos científicos, que surgiram num site utilizado pelos cientistas para partilhar investigação antes da revisão formal por outros cientistas e consequente publicação, desencadearam que investigadores de todo o mundo – incluindo pelo menos dois laboratórios norte-americanos e três universidades chinesas – examinassem de perto o material proposto pela equipa sul-coreana.

Já existem materiais supercondutores, por exemplo, nas máquinas de ressonância magnética e em alguns computadores quânticos, mas estes materiais apenas conseguem ser supercondutores com temperaturas extremamente baixas, tornando-os impraticáveis para uma aplicação mais abrangente.

Os investigadores sul-coreanos afirmaram na semana passada que encontraram um supercondutor que funciona à temperatura ambiente, algo que é, há muito, considerado um Santo Graal para os cientistas. Além das conclusões, também foi publicada a “receita” para criar o material – apelidado LK-99 – e que envolve pegar num mineral relativamente comum, vanadinite, e introduzir um pequeno número de átomos de cobre nesse mineral.

Foram publicados dois artigos científicos, um primeiro trabalho com três autores e um segundo mais detalhado e com seis autores (que inclui apenas dois dos autores do primeiro artigo). Nenhum dos autores contactados pela agência Reuters respondeu ao pedido de comentário.

Os físicos entrevistados pela Reuters frisam que a boa notícia é que não há lei da física que diga que um supercondutor à temperatura ambiente não pode existir, e o material descrito pela equipa sul-coreana é fácil de criar – o que significa que outros cientistas podem começar a testar e obter resultados já esta semana. O teste do algodão para esta descoberta é a capacidade de outros laboratórios replicarem fielmente as descobertas dos investigadores sul-coreanos.

Primeiros resultados contraditórios

Os investigadores de pelo menos três universidades chinesas afirmaram nos últimos dias que produziram versões do LK-99 com resultados variados. Uma equipa da Universidade de Ciência de Tecnologia de Huazhong publicou um vídeo para mostrar o material a levitar sobre um íman, algo fulcral, dado que os supercondutores conseguem “flutuar” sobre um íman em qualquer orientação – sem girar como uma bússola.

No entanto, outra equipa, da Universidade Normal de Qufu, afirma não ter observado resistência zero, uma das propriedades exigidas para um supercondutor. Um terceiro grupo de cientistas, da Universidade do Sudeste, em Nanjing (também na China), afirma ter medido resistência zero, mas apenas a uma temperatura de 110 Kelvin (-163 graus Celsius) – bastante longe da temperatura ambiente.

Esta quinta-feira, especialistas sul-coreanos referiram que será criado um comité para verificar as alegações feitas nos artigos científicos. Eric Toone, investigador que se tornou investidor da Breakthrough Energy Ventures, de Bill Gates, refere que está a acompanhar todas as revisões dos artigos por outros cientistas e os esforços de outros laboratórios em replicar este trabalho.

“As medições necessárias para verificar ou demonstrar supercondutividade são muito difíceis de fazer”, nota. “Se estiverem certos, podem alterar completamente o campo, mas até termos mais validação, temos que ser pacientes.”

“Podemos ser enganados”

Uma potencial má notícia para o LK-99 é que a área dos supercondutores está cheia de materiais que prometem muito no início, mas acabam por se desmoronar quando são escrutinados. Os investigadores até têm um nome para eles: objectos supercondutores não identificados.

“Há uma longa história de objectos supercondutores não identificados, incluindo de algumas pessoas muito famosas que pensavam ter encontrado um supercondutor, mas não tinham. É como tudo em ciência – podemos ser enganados. Mesmo as boas pessoas podem ser enganadas”, diz Mike Norman, físico do Laboratório Nacional de Argonne, nos Estados Unidos.

Mike Norman refere que os documentos originais tinham problemas. Alguns podem ter sido erros tipográficos honestos pela pressa em publicar a investigação, mas o mais preocupante e a falta de dados numa faixa de temperatura ampla para poder mostrar como o material se comporta quando está num estado supercondutor e quando não está.

“Este método costuma ser usado para mostrar quanto da amostra é realmente um supercondutor e quanto não é”, explica Mike Norman.

Outros investigadores também encontram motivos para ser cauteloso. Sinéad Griffin, física do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley (Estados Unidos), utilizou um supercomputador do Departamento de Energia dos Estados Unidos para simular o material proposto (o LK-99).

A cientista descobriu que a inserção de átomos de cobre na vanadinite fazia com que os átomos do material se reorganizassem de uma maneira inesperada que se assemelhava aos supercondutores existentes. Mas esse efeito depende totalmente dos átomos de cobre ficarem no local para onde eles não vão naturalmente – o que pode dificultar a produção deste material em grandes quantidades.

Sinéad Griffin alerta, ainda assim, que a sua simulação tem limites. Não pode provar conclusivamente que o material é um supercondutor e este trabalho assume que os investigadores podem colocar átomos de cobre na vanadinite com uma precisão perfeita. No mundo real, isto é improvável e pode ter um efeito enorme no material.

Mesmo que o LK-99 seja um supercondutor à temperatura ambiente, ainda demorará algum tempo a determinar o quão útil pode ser, diz Michael Fuhrer, físico da Universidade Monash (Austrália). Por exemplo, Michael Fuhrer nota que não foi dada nenhuma informação sobre quanta corrente eléctrica este material pode transportar e continuar a ser um supercondutor – uma questão fundamental para uma potencial melhoria das redes eléctricas.

Ainda assim, o investigador da Universidade Monash e outros físicos reforçam que vale a pena estudar estes resultados, visto que esta é uma área em que não se conhece muito e que há a hipótese de descobrir a supercondutividade por acaso num material comum.

“Há imensos minerais por aí que ainda não examinámos”, diz Mike Norman. “E provavelmente há física muito interessante escondida nesses minerais.”