Uma noite na Berlenga Grande

O leitor Miguel Silva Machado regressou à ilha, desta vez para pernoitar no Forte de São João Baptista. “Visitas anteriores souberam-me a pouco, condicionado pelo relógio, agora queria ter tempo!”

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"A lareira acende-se à noite na sala com azulejos de temática marinha e ouvem-se histórias de outros tempos" Miguel Silva Machado
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Voltei às Berlengas, desta vez para dormir no Forte de São João Baptista, na Berlenga Grande. Não é o principal cartaz turístico da ilha, percebe-se que passeios de barco, praia de águas transparentes, mergulho ou observação das aves tenham mais visibilidade. Há várias empresas turísticas a operar que estimulam o interesse dos visitantes, legitimamente e com regras, diga-se.

Visitas anteriores souberam-me a pouco, condicionado pelo relógio, agora queria ter tempo!

A marcação de alojamento foi fácil, contactei telefonicamente a Associação dos Amigos da Berlenga (AAB), fiz a transferência bancária de 15€, 50% do valor para uma noite, e acolhi com atenção as limitações existentes. O forte é uma Casa-Abrigo na qual o visitante recebe um quarto com colchão e almofada, luz eléctrica, mas sem tomada – carregar telemóveis só no salão principal –, casa de banho colectiva e acesso a uma cozinha comunitária com fogões a gás. Não há alimentação à venda, apenas bebidas estão disponíveis no bar. Assim, convém levar saco de cama e comida.

Depois de umas braçadas nas águas que separam o forte da ilha, temperatura bem agradável, detenho-me nas duas lápides que podemos ver no hall da recepção. Uma de 1952, colocada por cadetes da Academia Militar, enaltece os feitos heróicos do cabo António de Avelar Pessoa – daí o nome da embarcação na qual milhares de turistas visitam anualmente a ilha –, que em 1666 combateu até ao limite possível contra uma enorme esquadra castelhana; outra de 2005, em memória de Rui Nazareno, o líder da associação criada em 1975, para preservar o forte que no pós-25 de Abril de 1974 foi sucessivamente saqueado por populares que se apropriaram da maior parte do recheio da “Pousada Histórica” (1954 e 1971).

Na realidade, o Forte de São João Baptista nunca esteve integrado na rede de Pousadas do Estado mas a designação “pegou” depois das grandes e detalhadas obras de restauro e adaptação feitas nos anos de 1950 pelo governo. A associação salvou o forte, que até hoje mantém e melhora… de acordo com as suas possibilidades. Não recebe um cêntimo de apoio oficial, vive das quotizações dos associados, do que os turistas pagam (1€ por visitante), das pernoitas como a minha e do resultado da exploração do bar.

Mantêm a Casa Abrigo a funcionar num estado de conservação aceitável, mesmo que apenas parcialmente acessível aos visitantes. Haveria coisas a melhorar? Certamente e está estudado. A AAB tem ideias, duas dissertações de mestrado que li —​ Ana Túlio, em 2005, e Raquel Diogo Carteiro, em 2011 —​ aprofundam o tema e sugerem melhorias. A utilização nos termos actuais tem um cariz “popular” que deverá ser mantido.

Na realidade, com pouco dinheiro usufruem do espaço grupos de amigos, alguns são visitantes regulares há anos seguidos; casais sozinhos ou com filhos pequenos, aficionados por história ou pelas artes – vi no local alguém a pintar a paisagem – ou apenas para deixar passar o tempo, os sons, as vistas e o mar. A lareira que sobrou da Pousada acende-se à noite na sala com azulejos de temática marinha e ouvem-se histórias de outros tempos. O staff da AAB é simpático e disponível, gere o local ao ritmo que imaginamos nas longínquas fortificações do Reino. Fica o desejo de voltar, afinal o tempo voltou a ser pouco.

Miguel Silva Machado

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