Pizarro garante que Governo não quer contratar apenas médicos cubanos

Ministro da Saúde foi ouvido na comissão parlamentar de saúde a pedido da Iniciativa Liberal, que considera que médicos cubanos trabalham no estrangeiro em regime de “escravatura”.

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Manuel Pizarro lembrou que Portugal contrata médicos de países da América Latina há mais de uma década LUSA/ANTÓNIO PEDRO SANTOS
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Ainda "não há nenhuma decisão sobre os contingentes de médicos estrangeiros" que o Governo tem intenção de contratar para dar uma resposta "transitória e supletiva" em centros de saúde mais carenciados por um período de três anos, mas esse número rondará entre "duas a três centenas" de profissionais de "vários países da América Latina", explicou esta quarta-feira o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, durante uma audição na comissão de saúde no Parlamento, garantindo que não se pretende recrutar apenas clínicos cubanos.

Ouvido a pedido da Iniciativa Liberal (IL) a propósito do recrutamento de médicos de Cuba - que os responsáveis deste partido consideram que trabalham no estrangeiro num regime de "escravatura", por serem contratados através de uma empresa estatal e receberem apenas uma parte do salário pago pelo Estado português -, Manuel Pizarro retorquiu que alguns dos profissionais daquele país que vieram para cá em 2009, ao abrigo de um acordo com o Estado cubano, "resolveram ficar em Portugal", onde "estão a viver com as suas famílias". "Um dos que veio em 2009 é hoje director de um centro de saúde e fez a especialidade em Portugal", exemplificou.

O ministro repetiu que o objectivo do decreto-lei que prevê um regime excepcional para o reconhecimento dos graus académicos de Medicina - e que foi aprovado no início deste mês em Conselho de Ministros - é trazer para os cuidados de saúde primários, de regiões como o Alentejo, o Algarve e Lisboa e Vale do Tejo, profissionais que possam ajudar a suprir temporariamente a falta de médicos de família, assegurando "consultas abertas nos centros de saúde".

Quanto às nacionalidades dos estrangeiros que pretende contratar, Manuel Pizarro acentuou que o Estado português "não pode ir" buscar médicos a países onde há falta destes profissionais para concluir que apenas deverá ser possível fazer acordos em "Cuba, Colômbia e mais alguns países da América Latina", lembrando de novo que essa experiência já aconteceu no passado, quando sucessivos Governos foram recrutar clínicos não só destes dois países mas também do Uruguai e da Costa Rica. E todos os médicos estrangeiros que vierem agora, asseverou, "terão o grau [académico] reconhecido por uma universidade portuguesa e serão inscritos na Ordem dos Médicos".

Respondendo à deputada da IL Joana Cordeiro, que insistiu na ideia de que os médicos cubanos trabalham no estrangeiro "em situações que são claras violações de direitos humanos", Manuel Pizarro recordou que "há centenas de empresas" de prestação de serviços através das quais o Serviço Nacional de Saúde recruta profissionais e que o Governo não controla igualmente o que estas pagam aos médicos, e assegurou que "os direitos humanos serão escrupulosamente respeitados".

Frisando que a contratação de médicos estrangeiros para o SNS "é uma normalidade", o governante especificou que há actualmente no serviço público de saúde 1729 clínicos de outros países, entre internos e especialistas, e voltou a acentuar que o recrutamento de estrangeiros acontecem há mais de uma década e foram levados a cabo não só por Governos do PS mas "também do PSD". Hoje há "58 médicos cubanos" a trabalhar em Portugal em contrato directo, sem protocolos com o Estado cubano, e isso "provavelmente só foi possível porque vieram inicialmente ao abrigo desse primeiro acordo [de 2009, quando Pizarro era secretário de Estado da Saúde e foi recrutar clínicos em Cuba]".

São médicos que "vêm com excelente formação académica", insistiu, notando que é "necessário e útil" ao país contratar estrangeiros em contingentes reduzidos "e por períodos limitados de tempo", enquanto Portugal não consegue resolver "a falta de médicos" nos cuidados de saúde primários neste período de pico de aposentações. "É muito melhor que as pessoas tenham pelo menos uma solução de recurso", enquanto este problema não é resolvido, considerou.

Explicou ainda que estes 200 a 300 médicos estrangeiros - ainda não está definido o número preciso nem os locais específicos para onde irão trabalhar - irão dar resposta a necessidades de utentes do SNS em localidades onde há grande dificuldade de contratação e faltam médicos de família. "Já foi testado, funcionou bem e não há uma boa razão para não ser repetido", enfatizou.

Na terça-feira, o presidente da IL, Rui Rocha, tinha considerado "intolerável" que o Estado português possa ser "cúmplice de formas de escravatura moderna" na contratação de médicos cubanos, aludindo a relatórios internacionais que dão conta de uma "clara violação de liberdades fundamentais" destes profissionais.

Rui Rocha tinha-se reunido nesse dia com a Human Rights Foundation, na véspera da audição potestativa do ministro da Saúde. "Consideramos que é intolerável que o Estado português se veja envolvido num esquema que existe em vários alertas, e até uma resolução do Parlamento Europeu, que atestam que estamos aqui perante o perigo de estarmos a ser cúmplices de formas de escravatura moderna, de exploração de mão-de-obra, de tráfico de seres humanos e claramente violação de direitos e liberdade das pessoas", criticou, em declarações à Lusa.

Rui Rocha afirmou que há vários relatórios, nomeadamente da Human Rights Foundation, que apontam para a existência de diversas violações da liberdade destes médicos cubanos. "Há descrição de situações em que eles não podem ter contactos sem autorização seja com quem for, portanto qualquer tipo de relacionamento pessoal tem que ser autorizado, uma clara violação da liberdade destes médicos cubanos. Qualquer alteração de residência, qualquer deslocação do país tem que ser também autorizada", descreveu.

Se algum destes médicos decidir "não cumprir o contrato, permanecer em Portugal ou dirigir-se a outros países do mundo", há uma regra em Cuba que prevê que sejam banidos e fiquem oito anos impossibilitados de regressar, acrescentou. "A agência cubana fica com uma enorme parte da compensação recebida do Estado português. Aquilo que está documentado em Portugal da vez em anterior em que este tipo de contratos foi celebrado é que essa agência ficaria praticamente com 80% da contrapartida contratual paga pelo Estado português", referiu ainda. com Lusa

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