A disfunção eréctil também aparece aos 20: “Nunca partilhei este problema com ninguém”

Três em cada dez homens até aos 40 anos já terão sofrido com disfunção. Problemas de saúde mental e de masculinidade e pornografia irrealistas são explicações para um problema que tem soluções.

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Ilustração: Cátia Mendonça. Animação: Henrique Lourenço
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Dos 22 aos 39 anos, Duarte (como prefere ser identificado) só teve uma relação. “Quando as coisas começavam a ficar mais sérias”, ou adiava o sexo, ou afastava-se. Não por falta de desejo sexual, mas pela “vergonha” que temia passar com a parceira na cama.

O problema que hoje identifica, de frente, como disfunção eréctil, foi sendo escondido com desculpas”. “Às vezes acontece”, convencia-se uns dias. Noutros, não conseguia manter a erecção por “estar bêbado”. Foram precisos 17 anos e uma namorada informada para procurar ajuda.

Disfunção eréctil é “a incapacidade de ter ou manter uma erecção satisfatória e suficiente para a penetração”, define Mafalda Cruz, médica especialista em medicina sexual. Esta incapacidade, porém, só se considera disfunção se for “persistente no tempo” e se implicar “a grande maioria das relações”.

Historicamente, relacionava-se a disfunção eréctil com a idade — quanto mais velho, maior a probabilidade de desenvolver o problema. Nos últimos anos, no entanto, a comunidade científica começou a refutar esta linearidade. Três em cada dez indivíduos até aos 40 anos sofrem ou já sofreram de disfunção eréctil, indicou, em 2017, uma revisão de artigos científicos publicados em vários países. Este número não só tem crescido, como pode ser, na verdade, ainda maior. O tabu, a vergonha e o medo de “não ser verdadeiramente homem” ainda silenciam muitos dos casos. Em homossexuais, a prevalência de disfunção eréctil é significativamente maior, diz uma revisão sistemática e meta-análise de 2019. A autodiscriminação, a discriminação e vitimização são apontados como possíveis causas para que estes homens tenham maior risco de desenvolver disfunções sexuais.

O impacto das disfunções sexuais não se restringe ao interior das quatro paredes do quarto e pode contaminar outras actividades do dia-a-dia. Duarte, que vive em Guimarães, ficou “menos confiante” no trabalho e começou a “fugir de desafios mais difíceis com medo de não os conseguir cumprir”. Também notou mais dificuldade em fazer novos amigos e em falar de si próprio: “Nunca partilhei este problema com ninguém, e começou a tornar-se um peso enorme.”

Tiago Rolino, investigador de masculinidades no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, explica que os padrões da masculinidade patriarcal ditam que os homens têm de ser “fortes, corajosos e só [devem] ir ao médico quando partem alguma coisa”. Não devem falar sobre problemas de saúde e devem deixar o autocuidado para segundo plano. Assim, no caso da disfunção eréctil, falar sobre o assunto implica “assumir para eles próprios que não cumprem um dos pilares da masculinidade hegemónica”, já que estar sempre pronto para fazer sexo também é requisito para “um homem ser verdadeiramente homem e ser reconhecido pelos pares como tal”.

Se seria de esperar que nos jovens a mentalidade fosse diferente, nestas faixas etárias a pressão infla devido ao acesso facilitado a um mundo onde, aparentemente, o sexo nunca corre mal — a pornografia. Esquecendo-se de que estão a ver um filme com actores, criam “uma obrigação excessiva e, muitas vezes, irrealista de satisfazerem qualquer parceiro ou parceira e [a ideia de que] a erecção é absolutamente central, que deve permanecer até ao fim da actividade sexual e que se deve voltar a ter erecção depois do orgasmo e da ejaculação”, continua Pedro Nobre, professor e investigador na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP).

Quando alguém está obcecado em não falhar, “a probabilidade de o início da sua vida sexual ser de extrema ansiedade e poder não correr bem, é maior.” Gera-se um ciclo vicioso: um indivíduo não consegue ter uma erecção porque está ansioso. Ao não conseguir uma erecção fica mais ansioso. E por aí em diante.

Os jovens não estão isentos das causas físicas

Os factores socioculturais e psicológicos não explicam todos os casos de disfunção eréctil em jovens. De problemas hormonais, cardiovasculares, vasculares e nervosos a questões relacionadas com os hábitos sedentarismo, má alimentação, tabagismo, uso de drogas e álcool , múltiplas causas podem estar na base do problema. Apesar de "a biologia proteger os jovens", como refere Pedro Nobre, estes não estão isentos de problemas físicos que podem levar à disfunção eréctil.

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Cátia Mendonça

Em alguns casos, como o de Inácio (nome fictício), de 39 anos, aos factores psicológicos somaram-se os físicos. “Sempre sofri com o problema da disfunção eréctil, desde a adolescência, por factores do foro psicológico”, começa por contar. Aos 17 anos foi diagnosticado com perturbação obsessivo-compulsiva. A ansiedade e a baixa auto-estima também prejudicaram o seu desempenho sexual. “Procurei ajuda na urologia, e diziam-me que a causa era psicológica. Receitaram alguns tipos de medicação para alturas que achasse mais oportunas e para tentar ganhar alguma confiança, mas nunca foi fácil”, confessa.

Aos 28 anos foi sujeito a cirurgia devido a um tumor benigno na zona lombar e sagrada da coluna, que o deixou com sequelas nos nervos do intestino, bexiga e sistema sexual. “Depois de ser operado à coluna, que me lembre, apenas consegui ter uma erecção suficiente para uma relação cerca de quatro ou cinco vezes, algumas das quais com ajuda de medicação”, conta.

Inácio considera-se "por natureza uma pessoa com ansiedade, pessimista e perfeccionista". A disfunção, porém, fez com que se isolasse mais, sentia-se mais deprimido e “ainda mais pessimista do que já era”. Nos piores momentos, descreve um “sentimento de impotência em relação a tudo”.

“As disfunções sexuais, por vezes, têm um peso muitíssimo grande e negativo na vida das pessoas, levando muitas vezes à depressão e a outros problemas”, alerta Pedro Nobre.Estamos perante situações que merecem atenção. Há pessoas que têm um problema sexual e o problema é tão invalidante nas suas vidas que desenvolvem depressão em função disso.”

Tratamento depende da causa

Por vezes, o tratamento da disfunção eréctil tem de passar pela modificação do estilo de vida. “É uma coisa difícil de explicarmos. Porque notamos que as pessoas querem perceber a causa, mas depois não querem ser elas a alterá-la”, relata Mafalda Cruz. “Às vezes, temos que explicar às pessoas que têm de desacelerar o ritmo de vida, descansar. Outras vezes o tratamento pode passar por fazer uma alimentação mais saudável, fazer exercício físico e perder peso.”

A prescrição de inibidores da fosfodiesterase 5, grupo de medicamentos dos quais o mais conhecido é o Viagra, também é comum. Estes fármacos não aumentam o apetite sexual nem induzem uma erecção, esclarece Afonso Morgado, urologista no Hospital de São João. “O que fazem é induzir o relaxamento do músculo e tornam mais fácil a entrada do sangue para o pénis.”

Além da disfunção, Duarte tinha ejaculação precoce: “O pacote completo”, ironiza. Desde que começou a tomar medicação — um inibidor da fosfodiesterase 5 e um antidepressivo —, Duarte teve de fazer alguns ajustes nas dosagens até começar, cerca de um mês depois da primeira consulta de urologia, a ver algumas melhorias. No que toca à disfunção eréctil, sublinha, “ainda é cedo para avaliar”. Por outro lado, os episódios de ejaculação precoce “ficaram praticamente resolvidos”.

Mas nem sempre a medicação, apesar da eficácia a curto prazo, é mais do que “apenas um penso na ferida”. Como os factores socioculturais e psicológicos têm um peso significativo, a psicoterapia cognitivo-comportamental é uma arma valiosa.

Esta intervenção procura desconstruir mitos e preconceitos, mudar a forma de pensar a sexualidade, e torná-la menos exigente e menos irrealista. “Não basta dizer às pessoas que aquilo que estão a pensar sobre a sexualidade não é verdadeiro. Implica as pessoas serem confrontadas com formas alternativas de pensar. Se sexo é igual a coito, que alternativas há? Quando falha, o que é que sobra?”, questiona Pedro Nobre.

Passada a parte de questionamento, o casal — se houver um parceiro sexual regular, e se tal for possível, este deve ser incluído no processo de tratamento — passa para uma fase mais experimental que envolve desafios como envolverem-se sexualmente, na sua intimidade, sem utilizar os órgãos genitais. “Começar do zero e procurar formas de vivenciar a sexualidade que vão muito além do coito é uma descoberta muito grande para a maioria das pessoas”, explica.

Actualmente, ressalva Pedro Nobre, também se tem avaliado, noutros países, a eficácia das consultas de psicoterapia online e há dados preliminares promissores. “Não substitui a psicoterapia, mas permite chegar a muitas pessoas. Pode ser uma primeira ajuda para muitas pessoas no início do problema e para os jovens.”

Na presença de um problema anatómico, por vezes é preciso optar por tratamentos mais invasivos, como a aplicação de vasodilatadores por via de injecção no pénis. Em casos mais graves, como o de Inácio, pode ser necessário recorrer à colocação de uma prótese peniana.

Afonso Morgado ilustra: “Resumidamente, o pénis é um órgão constituído por três cilindros, um dos quais é a uretra, por onde passa a urina, e dois cilindros que são os corpos cavernosos. É aí que o sangue fica preso e nos dá uma erecção rígida. Quando não temos rigidez, podemos substituir os dois cilindros por cilindros de silicone oco, que fazem com que o pénis esteja sempre esticado, largo e com rigidez suficiente para penetrar. Ou, de forma mais natural, e o mais utilizado por jovens, cilindros preenchidos por água. Têm um sistema hidráulico, o doente dá à bomba (escondida no escroto) que puxa o líquido no reservatório, preenche estes cilindros e causa uma erecção artificial.”

PÚBLICO - Ilustração de uma prótese peniana
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Ilustração de uma prótese peniana

Inácio passou cerca de um ano em consultas e avaliações, com o urologista, até chegar à conclusão de que a prótese peniana seria a melhor solução: “Foi um ano muito difícil, com muita ansiedade e muitas dúvidas, pois sabia que era um tratamento definitivo e que nunca mais voltaria a ter uma erecção 'normal.'”

Depois da cirurgia, o processo de adaptação à nova realidade não foi fácil, mas não se arrepende. “Com o passar do tempo cheguei à conclusão de que foi a melhor solução. Ganhei mais confiança e com a habituação ao processo de inflar a prótese, [agora] até chega a passar despercebido da parceira se assim o quiser”, explica.

Ainda que, reconhece, por estar desempregado, tenha alguns "altos e baixos", fazer a cirurgia deixou-o “mais seguro” e “mais confiante” para ter uma futura relação amorosa. "Tenho noção de que a autoconfiança apenas depende de mim e estou nas mãos dos melhores profissionais, que me acompanharam em todos os problemas que apareceram."

Prevenção implica acção individual, social e política

Como a motivação é fulcral para a eficácia do tratamento, uma intervenção mais antecipada pode ser mais proveitosa. “Uma coisa é apanharmos um doente que tem poucos meses de evolução, em que aquele ciclo vicioso ainda não está estabelecido”, aponta Afonso Morgado, “outra coisa é um doente que passou meses, anos, a não conseguir ter erecções e a sua confiança é extremamente baixa”.

Duarte começou o tratamento há cerca de quatro meses, depois de 17 anos de evasão ao problema. Desde que procurou ajuda médica, notou uma significativa melhoria na qualidade de vida e o regresso da confiança em si próprio, algo que já não conhecia há “muito tempo”. Em termos individuais, os cuidados para prevenir a disfunção eréctil não são muito diferentes de prevenir quase todas as doenças: alimentação cuidada, exercício físico, evitar o álcool e as drogas, descansar, entre outros.

No entanto, como por trás da disfunção eréctil existe uma grande carga sociocultural, para prevenir o problema, exige-se uma intervenção mais abrangente. Tiago Rolino defende que a prevenção depende de três dimensões: “Um nível mais micro, que passa pela desconstrução pessoal, pela reflexão crítica ao pôr em causa o que vemos nas redes sociais e até nas conversas entre pares. Um nível intermédio, de intervenção nas famílias e comunidades. E um nível macro, do Estado, que significa investir em estudos de investigação e acções que possam fazer alguma coisa junto dos jovens, com as famílias e com as escolas.” O investigador sublinha a importância da educação sexual para fomentar a discussão de tópicos como a co-responsabilidade e as emoções no sexo, e incentivar a reflexão crítica sobre a pornografia.

E porque é a garantir “o básico da qualidade de vida” que se “vai fazer com que a prevalência de disfunção eréctil diminua”, a médica Mafalda Cruz sublinha que ainda há muito a concretizar em termos de política nacional.

“A precariedade dos jovens é algo que está a dificultar muito [o sexo]​. Os jovens desdobram-se em trabalhos, têm dois ou três, não descansam. Tudo para suportar uma renda de casa e ter um estilo de vida com o mínimo”, sublinha. “A prevenção aqui será dar às pessoas tempo, dar às pessoas qualidade de vida, e que não seja uma vida passada a trabalhar, para que possam, efectivamente, alimentar-se bem, fazer exercício físico, ter um estilo de vida saudável. Esta é a melhor forma que temos para prevenir [a disfunção]. Uma vida relaxada, sem stress, na qual se dorme bem.”

Duarte apela àqueles que se depararem com os sinais de que algo pode não estar bem a procurarem logo ajuda. “Não esperem 20 anos para se voltarem a sentir plenos. Procurem ajuda.”

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