As zonas cinzentas do financiamento político

Se este caso abriu a porta à clarificação de zonas cinzentas, que se aproveite a oportunidade para se fazer esse trabalho por inteiro em prol de um modelo de financiamento mais transparente e moderno.

Ouça este artigo
00:00
03:17

A aparatosa investigação ao PSD trouxe para o debate uma suposta zona cinzenta da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos, ligada à utilização de assessorias parlamentares em atividades partidárias. Ética ou não, tal utilização parece legítima: não só porque essa lei, desde 2015, afirma que a subvenção que financia as assessorias serve para financiar "atividade política e partidária"; mas, também, porque à boleia das restrições da covid-19, em 2021, a própria Lei de Organização e Funcionamento da Assembleia da República passou a reconhecer aos grupos parlamentares o poder de definir o modo e local de trabalho dos seus assessores.

Este quadro legal mostra que não há nenhuma zona cinzenta neste caso, mas que há muitos aspetos a clarificar. Desde logo, embora se defina as categorias de funcionários existentes num grupo parlamentar, tais categorias estão manifestamente desatualizadas (já que não se prevê, por exemplo, a figura do técnico especialista) e carecem de uma densificação do respetivo conteúdo funcional (especialmente útil para aferir da legitimidade das alocações de assessores à atividade partidária). O controlo da utilização desta verba é feito conjuntamente com o das contas dos partidos, mas (contrariamente ao que sucede na Estónia) não existe nenhuma obrigação de divulgação pública dessas contas pelos partidos e nada se dispõe sobre o controlo externo do uso desta verba por deputados não-inscritos. E mais, se, desde 2012, qualquer nomeação para um gabinete ministerial tem de ser acompanhada da apresentação do currículo e da remuneração do nomeado, nas nomeações das assessorias parlamentares prevalece a opacidade sobre estes tópicos.

Mas as zonas cinzentas não ficam por aqui. O financiamento das campanhas no âmbito de eleições partidárias internas e de eleições primárias são uma verdadeira zona livre de direito, sem qualquer controlo. Ao arrepio de toda a filosofia do nosso sistema de financiamento partidário, tal cria um risco de captura do processo político por interesses privados, que deve preocupar porque cada vez mais essas campanhas implicam um elevado dispêndio de meios financeiros.

Num país onde, em claro desrespeito pela exigência constitucional de promoção da igualdade no exercício dos direitos políticos, 4 dos 8 partidos com representação parlamentar não chegam a ter 30% de mulheres nos seus principais órgãos, é tempo de discutir a redução da subvenção partidária estadual quando tal equilíbrio de género não é garantido, como já se faz em França e na Irlanda e como já fez Portugal no âmbito das subvenções para campanhas eleitorais.

Apesar de constituírem um financiamento político indireto que robustece a democracia local, não existe qualquer quadro legal geral das assessorias nas assembleias municipais.

Apesar de recorrentemente se ouvirem queixas sobre o excesso de “boys” na política, a nossa lei (contrariamente à alemã) não prevê qualquer incentivo à valorização das fundações políticas (apesar da sua importância na formação de quadros, na preservação da memória histórica e na cooperação para o desenvolvimento).

Num país onde periodicamente todos se chocam com a prescrição de processos relativos a irregularidades nas contas partidárias, a Entidade das Contas continua a não ter incentivos à estabilidade e especialização do seu quadro de pessoal (como seja a aplicação das garantias do pessoal dos gabinetes governamentais).

Se este caso abriu a porta à clarificação de zonas cinzentas, que se aproveite a oportunidade para se fazer esse trabalho por inteiro em prol de um modelo de financiamento político mais transparente, rigoroso e moderno.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Comentar