Vá para fora, olhando para dentro

O leitor Luis Robalo faz o elogio das maravilhas do interior do país: Casal de São Simão, Ana de Aviz e Ribeira de Alge são sítios que vale a pena conhecer. “Também há praias para refresco dos pés.”

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"No interior, para quem conhece os segredos e tem curiosidade de procurar, também há praias para refresco dos pés" LUIS ROBALO
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No Verão podemos divagar e flautear a cabeça nas coisas sem peso, acompanhados, e a pedir, pelo corpo que reclama lassidão, descompromisso, prazeres do momento. São os dias alongados, quentes, o tempo das férias, os dias em que os relógios do tempo fingem que se detêm, para os praticantes das artes da preguiça.

No Verão, o país debruça-se em fila num beiral a olhar para o mar, antes de pôr os pés de molho nas praias que lhe desenham os contornos.

Dão costas ao que resta do país interior, que é a maior porção do país. E no interior, para quem conhece os segredos e tem curiosidade de procurar, também há praias para refresco dos pés.

Casal de São Simão é uma aldeia de xisto, no concelho de Figueiró dos Vinhos. Reza a lenda (as lendas são as realidades oníricas que dão densidade aos lugares e as pessoas) que um casal de passeantes a descobriu, em ruínas, e comprou uma casa que renovou. Chamaram os amigos, que compraram outras casas, e agora é uma pequena comunidade de amigos, com um restaurante muito bom, erguida e senhora de si num pico de um monte, observadora e espia das Fragas de São Simão, onde no seu regaço corre um riacho fresco de águas serpenteantes que criam pequeníssimas praias naturais, pintadas de um cenário de pedras e árvores, numa paisagem quase rude e primitiva.

A caminho desse pequeno paraíso recatado e sem propagandas nem grandes divulgações, existe uma aldeia encantadora. Ana de Aviz. Pode parecer que o tempo parou, e que os seus habitantes, poucos, recolhidos no centro de convívio, esperam que o tempo passe ao lado e não os incomode na continuação das suas vidas sem preocupações metafísicas. A simplicidade e o prazer de uma conversa, um jogo de cartas animado, tricotarem-se linhas fazendo camisolas, enquanto se contam coisas da intimidade de uma pequena comunidade, é o melhor que se leva daqui.

Uma aldeia espraiada nos socalcos suaves de uma colina, desdobrando as terras mais ou menos cultivadas de quintas antigas e com apelido, ou então pequenas porções de terra onde germinam, a seu tempo, os essenciais de uma alimentação familiar sem pretensões.

Em Ana de Aviz também há uma pequena praia fluvial, com uma represa a desenhar uma piscina natural e fresca, e um relvado onde os corpos, antes da sesta, se podem esticar, abrir os braços e as pernas, desenhando a figura do homem vitruviano, de Da Vinci (fôssemos snobes e presumidos nas referências), fixando o olhar para o azul do céu, não vá terem a sorte de descobrir o voo transparente dos anjos, na sua constante azáfama do céu para a terra.

Ainda no concelho de Figueiró dos Vinhos, o rio Zêzere, rio absolutamente português e patriótico, une-se à foz da Ribeira de Alge e forma uma extensa e desafogada bacia, onde os pescadores se entretêm nas suas coisas de pescar peixes ou esperar por eles, as pessoas tomam banhos e sóis e a nova comunidade estrangeira residente nessas paragens se encontra "piquenicando" e convivendo nos dias de descanso semanal.

E depois são as árvores, imensas, e muitas, que vestem quase toda a paisagem destas terras do Pinhal Interior Norte. Símbolos de vida e futuro, também fantasmas que assustam. Porque o passado é recente e foi terrível, porque o cenário não foi substituído, porque a convicção não é muita, a vontade de mudança cansou-se só de pensar nisso.

Se os que estão de borco a olhar para o mar se virassem de costas, perceberiam que existe este país escondido, verdejante de atracções naturais. Talvez um dia. Até lá, São Simão, Ana de Aviz, Foz do Alge, são só nossos, o segredo mais bem guardado.

Luis Robalo

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