Cientistas não estão a divulgar “dados valiosos” sobre compostos químicos eternos

Só uma pequena fatia dos estudos que associam as substâncias perfluoroalquiladas (PFAS, na sigla em inglês) a riscos para a saúde humana tem espaço nos meios de comunicação, revela estudo científico.

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As PFAS são muito usadas em panelas antiaderentes, têxteis impermeáveis, dispositivos médicos e outros produtos Uwe Conrad/DR
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Notícias sobre os riscos dos compostos químicos “eternos” há muitas. Mas o que parece muito é, afinal, muito pouco: um artigo científico recente revela que só uma pequena fatia dos estudos que associam as substâncias perfluoroalquiladas (PFAS, na sigla em inglês) a riscos para a saúde humana conquista espaço nos meios de comunicação social.

“As manchetes que vemos sobre PFAS, e outras questões de saúde ambiental, são apenas a ponta do icebergue”, afirma ao PÚBLICO Rebecca Fuoco, primeira autora do estudo publicado esta terça-feira na revista científica Environmental Health. A investigadora lamenta que apenas uma pequenina parte do conhecimento produzido sobre as PFAS realmente chegue até ao público.

Rebecca Fuoco, juntamente com outros três investigadores, analisou 273 estudos epidemiológicos sobre as PFAS e o impacto na saúde humana publicados, entre 2018 e 2020, em revistas científicas com revisão por pares. Os autores descobriram que menos de 8% dos artigos com resultados estatisticamente significativos foram divulgados através de um comunicado de imprensa.

“Não esperava encontrar tantos estudos importantes, e fascinantes, que nem eu nem os meus colegas especialistas em PFAS tínhamos ouvido falar. Isso mostra que a cobertura mediática amplia o alcance dos estudos até dentro da própria comunidade científica”, observa Rebecca Fuoco.

As PFAS são compostos muito persistentes, que não se degradam no ambiente - e daí serem conhecidas como substâncias químicas eternas. São utilizadas em diferentes produtos, equipamentos e processos industriais. Parte destas aplicações são de difícil substituição - é o caso de certos dispositivos médicos -, o que traz desafios para os esforços tanto dos Estados Unidos como da Europa em limitar o uso das PFAS.

Estas substâncias apresentam propriedades físico-químicas com valor industrial e comercial, como a durabilidade e a capacidade de repelir o óleo e a água, além da alta estabilidade térmica e química. Por isso, são muito usadas em panelas antiaderentes, têxteis impermeáveis, dispositivos médicos, produtos cosméticos ou de higiene pessoal, espumas de combate a incêndios, tintas e recipientes alimentares.

A versatilidade e as características distintivas das PFAS tornaram-nas quase omnipresentes. É muito difícil haver um lar sem produtos com estas substâncias. Elas estão presentes até na corrente sanguínea humana. Para reverter esta situação, um editorial da revista científica Science, publicado esta quinta-feira, defende a urgência de “inovarmos para além das PFAS”, envidando todos os esforços para que se desenvolvam materiais ou processos capazes de substituir todos os “compostos eternos”.

Podemo-nos sentir presos no que toca ao uso das PFAS em muitas aplicações, como consequência do bom desempenho e da versatilidade destas substâncias. Isto fez das PFAS uma escolha conveniente no desenvolvimento de materiais e componentes em processos industriais. No entanto, é claro que é possível encontrar alternativas às PFAS e esta dependência pode, na verdade, constituir um obstáculo à inovação”, lê-se no editorial assinado por Martin Scheringer, professor de química ambiental na Universidade de Brno, na República Checa. ​

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A espuma de combate a incêndios é uma das aplicações das PFAS considerada de difícil substituição no sector militar Matt C/DR

Da osteoporose ao cancro de mama

Entre os estudos que ficaram quase “escondidos” do grande público estão publicações que estabelecem associações significativas entre a exposição humana às PFAS e problemas de saúde como a osteoporose, o parto prematuro, a diabetes gestacional e o cancro de mama e ovários.

Esta invisibilidade dos resultados científicos “reduz a probabilidade de que artigos importantes cheguem ao público e aos decisores políticos”, que são aqueles que estão melhor posicionados para transformar conhecimento em medidas ou políticas públicas, refere a conclusão do artigo da Environmental Health.

“É certo que existem artigos que são demasiado técnicos para serem do interesse dos jornalistas, mas também é verdade que muitos cientistas estão a guardar dados valiosos em periódicos inacessíveis e a saltar logo para o próximo estudo”, observa a autora, numa resposta enviada ao PÚBLICO por e-mail.

Uma nota de imprensa importa tanto assim? Segundo os autores, sim. E muito. No universo dos artigos que descreviam uma associação estatisticamente relevante entre as PFAS e danos à saúde, aqueles que beneficiaram de um comunicado de imprensa mereceram uma atenção vinte vezes maior dos órgãos de comunicação social e das redes sociais.

“Novos estudos que encontram fortes associações entre produtos químicos persistentes e danos graves à saúde estão a passar despercebidos. A investigação escondida em revistas científicas tem alcance limitado e, portanto, também um impacto reduzido”, afirma Rebecca Fuoco, que também é directora de comunicação científica do Green Science Policy Institute.

O instituto, criado em 2008 na Califórnia, nos Estados Unidos, tem como missão “promover uma utilização mais segura de produtos químicos, como o objectivo de proteger tanto a saúde humana como ambiental”, refere a página do Green Science Policy Institute.

O interesse mediático de cada estudo científico foi avaliado com base na pontuação Altmetrics. Trata-se de uma métrica alternativa que privilegia referências em portais de notícias, redes sociais e enciclopédias colaborativas (em detrimento de indicadores tradicionais como o número de citações e o factor de impacto da revista científica).

Medo de falar com jornalistas

Por que razão muitos laboratórios, instituições ou cientistas não promovem o trabalho que fazem através de comunicados de imprensa? Rebecca Fuoco suspeita que os principais factores em jogo são “a falta de recursos, treino e incentivos de carreira para que os cientistas se envolvam na comunicação para fora da academia”.

“A minha experiência diz que muitos cientistas especializados em PFAS ficam nervosos com a ideia de falarem aos jornalistas, porque temem que as suas descobertas sejam descritas de forma sensacionalista e deixem o público em pânico”, refere Rebecca Fuoco ao PÚBLICO.

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Contudo, o estudo revela que os exageros plasmados nas notícias geralmente remontam, refere a autora, aos próprios comunicados de imprensa divulgados por instituições científicas. Além disso, uma análise recente das notas divulgadas pelo governo sobre PFAS mostra que os riscos comunicados ao grande público estão a ser “minimizados”.

“Peço aos cientistas e às instituições que adoptem a comunicação de ciência como parte crítica do processo de investigação”, disse a co-autora Linda Birnbaum, cientista emérita do Instituto Nacional de Ciências da Saúde Ambiental e investigadora residente na Universidade de Duke, nos Estados Unidos, citada numa nota de imprensa.

Os autores recomendam vivamente que os cientistas assumam um papel activo na elaboração de comunicados de imprensa, trabalhando numa lógica colaborativa com os departamentos de relações públicas e garantindo o rigor da informação divulgada posteriormente. O estudo faculta ainda à comunidade científica cinco recomendações para que os trabalhos possam chegar a mais pessoas, de uma forma clara e acessível.

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