Cientistas descobrem método simples e barato de degradar (alguns) químicos “eternos”

Investigadores perceberam como é que se decompõe uma classe de PFAS, químicos tóxicos que têm diversas aplicações comerciais e são muito resistentes.

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As PFAS são usadas para produzir utensílios de cozinha antiaderentes, entre muitas outras coisas Rui Gaudêncio

No âmbito de um estudo científico, uma equipa de químicos da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, descobriu uma forma simples e barata de degradar algumas substâncias perfluoroalquiladas (PFAS), que também são conhecidas como “químicos eternos”, pois são muito resistentes à degradação. O método requer apenas um ambiente com temperaturas na ordem dos 80 a 120 graus Celsius (são valores baixos, tendo em conta que, em estudos anteriores, investigadores tentaram degradar PFAS a temperaturas perto dos 400 graus), água, sulfóxido de dimetilo, solvente que é muito usado industrialmente, e hidróxido de sódio, reagente que também não é invulgar (é um componente comum de sabões, por exemplo). O estudo dos investigadores da Universidade Northwestern foi publicado esta sexta-feira, na revista Science.

As PFAS, que são, desde a década de 1940, usadas para produzir coisas tão díspares como espumas de combate a incêndios, tintas, embalagens alimentares, talheres descartáveis, têxteis, utensílios de cozinha antiaderentes e até produtos médicos ou electrónicos, contêm ligações entre átomos de carbono e átomos de flúor, que são “das ligações mais fortes na química orgânica”, segundo a Agência Europeia das Substâncias Químicas. Daí serem como que indestrutíveis.

Estes químicos podem contaminar os organismos vivos, a água potável, os solos e o ar. Embora os seus efeitos ainda não sejam inteiramente conhecidos, estudos referem que a exposição a PFAS pode, por exemplo, prejudicar os sistemas reprodutivo e hormonal, bem como aumentar o risco de diferentes tipos de cancro. As PFAS são classificadas como poluentes orgânicos persistentes (POP), que são regulados a nível mundial pela Convenção de Aarhus e pela Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (Portugal ratificou ambos os tratados internacionais, em 2003 e 2004, respectivamente).

Há alguns métodos para, em teoria, destruir PFAS, mas estes tendem a ser caros, além de requererem muita energia, reparam os autores do estudo publicado na Science. Um destes métodos é a incineração de resíduos com PFAS na sua composição. Cientificamente, ainda não é certo que a incineração, que leva à emissão de gases com efeito de estufa, resulte numa degradação 100% eficaz dos poluentes. Relativamente a isto, a Agência de Protecção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla inglesa) alerta que a destruição incompleta de PFAS pode conduzir à formação de PFAS mais pequenas, bem como à libertação de monóxido de carbono, gás tóxico que é formado quando ocorrem processos de combustão incompleta.

Os métodos que existem para retirar PFAS de água potável também são imperfeitos, argumentam os químicos da Universidade Northwestern. Estes referem que, embora tais métodos consigam separar os químicos da água — na sequência do processo de tratamento, formam-se resíduos contaminados (cheios de PFAS), em estado líquido ou sólido —, não se procede, numa segunda fase, à degradação dos poluentes. Ou seja: as PFAS são removidas da água, mas permanecem no ambiente, desta feita em resíduos tóxicos.

Os autores do estudo terão descoberto um método que, além de ser barato e consumir menos energia (o que deverá tornar a sua aplicação mais exequível), é eficaz na decomposição total destas substâncias.

O tendão de Aquiles das PFAS

A equipa de investigadores, liderada por Brittany Trang e William Dichtel, degradou dez PFAS, incluindo ácido perfluoro-octanóico (PFOA), uma de quatro PFAS cuja presença na água da chuva (em concentrações alarmantes) foi avaliada num estudo recente.

Os químicos partiram de uma descoberta feita pela EPA por acaso. Há dois anos, no âmbito de um estudo toxicológico, investigadores dessa agência federal dos Estados Unidos colocaram uma PFAS numa solução com o solvente sulfóxido de dimetilo e descobriram que a substância química se degradou.

Nas suas experiências, os investigadores da Universidade Northwestern usaram sulfóxido de dimetilo em várias soluções. Quando, a temperaturas entre os 80 e os 120 graus, juntaram o reagente hidróxido de sódio a misturas de sulfóxido de dimetilo e água, repararam que alguns ácidos perfluorocarboxílicos (PFCA) se degradaram em 24 horas.

Os PFCA contêm ácido carboxílico, uma substância que é composta por átomos de carbono, hidrogénio e oxigénio. Os autores do estudo perceberam, através de programas digitais avançados que simularam o processo de degradação das PFAS, que o sulfóxido de dimetilo desfaz as ligações entre esses átomos, que são mais vulneráveis do que as ligações entre átomos de carbono e átomos de flúor. Isto desencadeia várias reacções, que acabam por levar à quebra total dos PFCA. No fim, ficam apenas “iões de flúor benignos e moléculas orgânicas oxigenadas e simples”, lê-se no estudo.

De acordo com Brittany Trang, cerca de 40% das milhares de PFAS que existem (são mais de 4700, segundo a Agência Europeia do Ambiente) contêm grupos de ácido carboxílico, pelo que, em princípio, este método conseguiria levar à sua degradação. Mas há PFAS que não têm este “tendão de Aquiles” na sua composição, pelo que é preciso encontrar a solução certa para os decompor.

Os investigadores frisam que o caminho a traçar até que o seu método esteja pronto para ser aplicado em larga escala é longo. Will Dichtel sublinha, no entanto, que foram descobertas informações muito relevantes. “Há outros estudos que mostram a degradação de PFAS em condições [de temperatura] mais extremas. Na maioria dos casos, o mecanismo através do qual as moléculas se desintegram não é devidamente compreendido. E muitos estudos sugerem mecanismos em que as PFAS quebram-se um átomo de carbono de cada vez. Por exemplo, uma PFAS com oito átomos de carbono perderia um desses átomos e passaria a ser uma estrutura com sete carbonos, depois passaria a ser uma estrutura com seis, e por aí fora. As nossas experiências indicam que, nas nossas condições, as PFAS se desintegram através de processos muito mais complicados e menos intuitivos”, explica ao PÚBLICO, via email.

“Entender o mecanismo [de degradação das PFAS] de forma detalhada é importante por vários motivos”, acrescenta. “Em primeiro lugar, ajuda-nos a confirmar que os produtos resultantes da degradação são seguros. Em segundo, a informação vai nortear os esforços que terão de ser feitos para optimizar o método, de modo a que seja possível implementá-lo em processos industriais reais. Por fim, isto inspirará outros, espero eu, a encontrar formas de degradar outros tipos de PFAS.”

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