Detidos seis suspeitos de rede ilegal que terá afectado seis mil imigrantes

PJ diz que rede recolhia imigrantes que se encontravam em situação irregular em vários países europeus, e trazia-os para Portugal.

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Martim Moniz é uma das zonas em que ocorre a operação Rui Gaudêncio
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Seis pessoas foram detidas, esta segunda-feira, no âmbito de uma operação liderada pela Polícia Judiciária (PJ), através da Unidade Nacional Contra Terrorismo, com vista a desmantelar uma organização com actividade criminosa que operava em Portugal, França, Espanha e Alemanha. A rede é suspeita de crimes de “associação criminosa, tráfico de pessoas, auxílio à imigração ilegal e falsificação de documentos” e terá afectado pelo menos seis mil imigrantes ilegais, movimentados entre Portugal e França.

A operação começou bem cedo, na zona de Lisboa, Vila Franca de Xira e na margem Sul do rio Tejo e envolveu 110 agentes da PJ, apoiados por elementos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), que deram cumprimento a 18 mandados de busca domiciliária, seis mandados de detenção, bem como “vários mandados de busca não domiciliários, à fiscalização de estabelecimentos hoteleiros ligados à rede criminosa, nos quais se acolhiam imigrantes ilegais, e ainda à abordagem estradal de viaturas de transporte com imigrantes ilegais a bordo, que se preparavam para entrar em território nacional”, esclarece a PJ em comunicado.

Foi o culminar de uma investigação iniciada já em Fevereiro de 2002, em Portugal, mas que dadas as implicações com outros países europeus, acabou por contar com colaboração internacional, sob a coordenação da Eurojust e o apoio da Europol.

Segundo o comunicado da PJ, a rede recolhia imigrantes que se encontravam em situação irregular em vários países europeus, e trazia-os para Portugal “no sentido de regularizar a sua situação junto do SEF, com vista à obtenção de autorizações de residência, na sua grande maioria recorrendo a documentos falsificados”.

A investigação associou a este esquema 337 transportes entre Lisboa/Paris (França)/Lisboa, que terão afectado seis mil imigrantes ilegais.

Atrasos "alimentam" máfias

Cynthia de Paula, que preside à associação Casa do Brasil, que apoia imigrantes, diz que tem conhecimento de várias pessoas que são abordadas por pessoas que, a troco de pagamento, se oferecem para lhes agilizar o processo de autorização de residência. “As pessoas não conseguem resolver o problema e há algumas que chegaram a pagar, por uma marcação junto do SEF. Algumas eram reais, outras não”, diz.

A responsável diz que operações como a que decorreu esta segunda-feira são necessárias “mas não é o suficiente”. O problema, diz, é outro. “Se o sistema funcionasse como deve ser e o processo fosse realizado em tempo útil e de forma célere, com certeza que as pessoas nem penavam em recorrer a estas pessoas. São os atrasos muito ruins que alimentam essas máfias”, diz.

Também Timóteo Macedo, da associação Solidariedade Imigrante, insiste que “é preciso mudar o chip” em relação aos imigrantes. “As pessoas vêm à procura de dignidade. Temos de criminalizar as máfias e organizações criminosas, o Governo tem de fazer cumprir a lei e as vítimas dessas redes ilegais têm de ser documentadas”.

Durante a manhã, o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, referiu-se a esta investigação, garantindo que há "outras operações desta natureza que irão ocorrer nos próximos tempos", face aos "muitos procedimentos de inquérito abertos".

Citado pela Lusa, após participar na inauguração do Centro Municipal de Protecção Civil de Tábua, no distrito de Coimbra, o ministro disse que “é preciso manter mão firme” em relação a “práticas ilegais ou irregulares que procuram ultrapassar indevidamente instrumentos constituídos para apoiar a imigração em termos regulares”. E defendeu que a integração prevista dos inspectores do SEF na PJ irá “capacitar o sistema de segurança interna no combate às práticas ilegais de imigração e práticas de tráfico de seres humanos”.

As regras em vigor em Portugal permitem que as pessoas apresentem uma manifestação de interesse para residir no país, perante o preenchimento online de um formulário no Sistema Automático de Pré-Agendamento (SAPA). A partir daí, ficam a aguardar a regularização, através da emissão de uma autorização de residência, podendo permanecer no país enquanto o procedimento se desenrola.

Tem havido denúncias de tentativas de manipulação do SAPA e em 2019 foi o próprio SEF a apresentar uma participação ao Ministério Público “por indícios de prática de crime de auxílio à imigração ilegal”. Suspeitava-se que havia “captura de vagas por parte de particulares, com base em ‘encomendas’ de pacotes de prestação de serviços que incluem o agendamento e a preparação do pedido a apresentar”.

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