Fuga de peixes em região minerada surpreende cientistas

Observações feitas um ano após teste de mineração no sudeste do Japão forçam investigadores a reavaliar o impacto da mineração em mar profundo.

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O impacto da mineração em mar profundo nos oceanos ainda é mal compreendido Adriano Miranda
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Pela primeira vez, foram estudados os efeitos da mineração em mar profundo em crostas de cobalto. Os resultados foram uma surpresa para os cientistas. Um ano após ser feito um pequeno teste de mineração, numa região do oceano Pacífico, observou-se a diminuição da ocupação de animais marinhos, como peixes e camarões, numa região à volta do lugar onde houve mineração mas que não sofreu um impacto directo daquela actividade.

O novo estudo, publicado nesta sexta-feira na revista Current Biology, demonstra o nível de desconhecimento acerca dos impactos da mineração no mar profundo num momento em que há uma discussão internacional acerca da regulamentação daquela actividade.

“Foi surpreendente porque houve alterações observáveis nas comunidades após um teste de mineração que durou cerca de duas horas ao longo de uma faixa de 120 metros”, explica ao PÚBLICO Travis W. Washburn, primeiro autor do estudo, contextualizando a dimensão dos testes.

“A outra surpresa foi ver quem foi mais afectado”, acrescenta o biólogo ecologista, que trabalha para o Instituto Nacional de Ciência Industrial Avançada e Tecnologia, em Tsukuba, no Japão. Em vez de o impacto ter sido maior em animais que estão no substrato marinho, como os corais e as estrelas-do-mar, ele ocorreu principalmente em nadadores como peixes e crustáceos.

“Os animais marinhos nadadores com uma grande capacidade de movimento poderão ser mais susceptíveis aos impactos do distúrbio no mar em profundidade do que se pensava previamente”, refere o ecologista, que tem uma larga experiência no estudo daqueles ecossistemas para avaliar as mudanças naturais que lá ocorrem e as marcas deixadas pelas actividades humanas.

Cobalto para 88 anos

As crostas de cobalto são um dos três principais tipos de formação geológica que podem ser alvo de mineração marinha, além dos nódulos polimetálicos e dos depósitos de sulfureto polimetálico. As crostas são, na verdade, camadas com vários minerais que se depositam lateralmente nos sistemas vulcânicos marinhos de uma forma muito lenta, um a cinco milímetros a cada milhão de anos. O oceano Pacífico é uma das regiões mais ricas neste tipo de formações.

O novo trabalho feito por Travis W. Washburn e por colegas baseou-se em três momentos de observação feitos no monte submarino Takuyo-Drago, cujo cume fica a 900 metros de profundidade e está situado a cerca de 1800 quilómetros a sudeste do Japão. Entre nove a 16 de Julho de 2020, a Organização Japonesa para a Segurança de Energia e Metais fez oito testes de perfuração naquele monte.

Os testes foram feitos até 2000 metros de profundidade com uma escavadora capaz de perfurar e retirar pedaços da crosta. Ao todo, foram retirados cerca de 650 quilos de material ao longo de 129 metros. Aquela área tem “cobalto suficiente para as necessidades do Japão durante 88 anos e níquel para 12 anos”, de acordo com a organização japonesa.

Com a ajuda de um veículo de operação remota (ROV, na sigla em inglês), Travis W. Washburn e os colegas obtiveram imagens daquele fundo marinho um mês antes das perfurações, um mês após as perfurações e 14 meses após a primeira observação, em Agosto de 2021.

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O veículo que fez os testes de mineração Travis W. Washburn

Nas três observações, o ROV percorreu a mesma grelha imaginária de sete linhas na direcção de norte a sul e outras sete de este para oeste. Cada linha tinha 300 metros de comprimento e estava separada 50 metros da próxima linha, que corria em paralelo.

Deste modo, o ROV conseguiu captar imagens à volta da pequena zona minerada em duas regiões marinhas: uma afectada directamente pelas plumas de sedimentos que se formam durante a mineração e outra não afectada por aquelas plumas, de acordo com modelos prévios.

Os investigadores estavam interessados em perceber o impacto da mineração em três grupos de animais com mais de um centímetro: os que vivem no fundo marinho e não têm mobilidade, como os corais e as esponjas; os que também vivem no fundo marinho, mas têm alguma mobilidade, como as estrelas-do-mar e os pepinos-do-mar; e os animais nadadores, como os peixes, os camarões e os ctenóforos.

Por outro lado, o objectivo na obtenção de imagens numa região onde não caem as plumas de sedimentos era o de haver um controlo experimental. “As plumas podem obstruir as guelras [dos animais], podem sufocar os animais que estão no fundo marinho e podem depositar material com um menor ou com um maior índice de alimentos”, adianta Travis W. Washburn, explicando o que poderá estar em causa quando há mineração.

De uma forma mais geral, aquela actividade está também associada ao barulho, à vibração, à poluição luminosa e à possibilidade de fugas e derrames de combustíveis e outros químicos usados.

Decréscimo local da biodiversidade

De acordo com os resultados das observações, 13 meses após os testes de mineração, e comparando com o observado um mês antes dos testes, a abundância de camarões e peixes na zona directamente impactada pelas plumas de sedimentos caiu 43%. Nas zonas adjacentes que não foram directamente impactadas pela mineração, a diminuição foi ainda maior: 56%​.

Travis W. Washburn deixa claro que a equipa “não considera” que esteja em causa a morte de espécimes, mas sim a migração dos animais para outras regiões. Ou seja, de um ponto de vista geográfico maior não há uma diminuição da variedade de animais, mas a nível local há “um decréscimo da biodiversidade e possivelmente a alteração de algumas funções” ecológicas, refere.

Como se explica esta diminuição? Embora a equipa não tenha informação suficiente para uma explicação conclusiva, Travis W. Washburn avança com a hipótese de os novos sedimentos terem diminuído a quantidade de alimento no fundo do mar, o que poderá ter um impacto directo nos organismos que têm pouca capacidade de movimentação ou que estão agarrados ao substrato. Os outros podem fugir.

“Os peixes e os camarões podem mover-se muito facilmente, ao contrário dos pepinos-do-mar. Por isso, em vez de se alimentarem perto das áreas de deposição de sedimentos, onde podem, com facilidade, voltar a deparar-se com um ambiente pobre em alimentos, eles simplesmente abandonam o local”, sugere o ecólogo.

Isto poderá levar a vários tipos de reconsiderações quando se pensa em regular a actividade de mineração no mar profundo, defende o investigador. “Poderemos ter de alargar o que pensamos sobre o que são os impactos da mineração em mar profundo”, diz, acrescentando que é necessário reconsiderar as consequências que poderão existir para os animais que se movem com facilidade e as áreas que poderão sofrer alterações.

“Os projectos de estudo para examinar os impactos futuros da mineração necessitam de reconsiderar esta área que passa a ser evitada pelos animais”, aponta. Além disso, o ecólogo vê necessidade de, naqueles projectos, serem reajustados os locais escolhidos para zonas de referência de preservação, que se tornam a imagem do que é um ecossistema intocado no fundo marinho e permitem avaliar o real impacto da mineração. Se os animais fogem de uma dada zona, então essa zona não poderá ser escolhida como referência.

Desde segunda-feira que a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos está em reuniões para alcançar uma regulamentação para a mineração dos fundos marinhos. Ao mesmo tempo, o receio de não se saber a verdadeira dimensão das consequências daquela actividade no maior habitat da Terra –​ ele próprio, largamente desconhecido – tem levado mais países e empresas a aderir à moratória desta actividade. Ainda esta semana, o Canadá aderiu a esse movimento.

É também neste desconhecimento que navega o estudo agora publicado. É muito caro fazer investigação no mar profundo, alerta Travis W. Washburn. Essa é uma limitação que faz com que o novo estudo tenha que ser olhado com cuidado.

Por um lado, não existem observações a longo prazo feitas naquela região. Por outro, foram feitas recolhas de imagens em apenas três momentos ao longo de 14 meses. Além disso, a área que tinha sido pensada enquanto controlo, onde não caíam plumas de sedimentos, acabou por não ser um verdadeiro controlo, sublinha o ecólogo, apontando algumas das fragilidades na investigação.

Por isso, é impossível saber se parte da ausência de animais encontrada está associada a variações naturais que se repetem todos os anos.

“Não estamos a alegar que os nossos resultados sejam definitivos”, diz o investigador ao PÚBLICO. “No entanto, se estes resultados forem confirmados noutros estudos, eles poderão ter implicações de grande alcance. Isto faz com que seja muito importante que este estudo seja visto pelo maior número de pessoas, para permitir que trabalhos futuros o confirmem ou que o refutem.” A pesquisa, portanto, terá de continuar.