Bebedouro retirado do Intendente por servir para lavar roupa, pés e legumes

Junta diz que utilização indevida danificou equipamento, fazendo verter água para a envolvente. O que estaria a pôr em perigo segurança e salubridade públicas. Mas há quem conteste a decisão.

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Era neste local que estava o bebedouro que a Junta de Arroios mandou retirar Daniel Rocha/PUBLICO
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Na semana passada, Catarina Portas, dona d’A Vida Portuguesa, foi surpreendida por uma senhora de idade avançada que lavava alfaces sob o fio de água saído da torneira instalada no pátio à entrada da loja do Largo Intendente, junto à Avenida Almirante Reis, em Lisboa. Quando lhe perguntou a razão da inusual escolha do local para realizar uma tarefa doméstica, recebeu uma resposta que a deixou desarmada. “Estou sem água em casa, pois o meu filho esqueceu-se de pagar a última conta”, disse-lhe a mulher. Antes, situações como essa eram supridas por um bebedouro existente a poucos metros.

Na verdade, nas últimas semanas, têm sido vários os casos semelhantes de pessoas a recorrerem aquela fonte de abastecimento, situada à porta da loja conhecida pelos produtos de origem portuguesa, como alternativa de abastecimento de água. Algo que passou a acontecer desde que o bebedouro, situado mesmo em frente do estabelecimento, no lado norte do largo, e perto de um banco muito frequentado por pessoas da comunidade, por estar sob a sombra de uma frondosa árvore, foi retirado pela Junta de Freguesia de Arroios. Uma acção que, aparentemente, estará a causar engulhos a quem dele fazia uso recorrente.

“Aquele bebedouro era, realmente, muito usado por todo o tipo de pessoas, mas em particular por imigrantes que estão em casas sobrelotadas e pessoas sem-abrigo”, conta Catarina Portas ao PÚBLICO, lembrando a multiplicidade de usos daquele bebedouro público. Entre eles, e para além de ser utilizado por quem apenas queria matar a sede, também era procurado por quem precisava de encher garrafões, lavar a roupa ou legumes, como no caso daquela senhora. “Estamos a falar de uma zona que tem uma população bastante carenciada”, diz, sublinhando o papel social da fonte de hidratação comunitária.

A partir do momento em que, de um momento para o outro e sem aviso, o bebedouro foi retirado, tais funções passaram a ser, em parte, colmatadas pela tal torneira existente no pátio da entrada da loja da Vida Portuguesa. “Não me parece que seja meu dever fornecer água à população. Mas é desumano da minha parte copiar o que a junta fez, ao recusar-se a acudir à população e tentar enxotar o tipo de pessoas que não aprecia. Isso, do meu ponto de vista, é política e socialmente escandaloso”, critica a empresária, que tentou saber junto da autarquia as razões para a subtracção daquela peça de mobiliário urbano do espaço público.

A resposta que recebeu sobre a saída do dispositivo que ali estava há cerca de quatro anos, instalado pela Junta de Arroios, surpreendeu-a. Por email, a autarquia explicava a Catarina Portas que o bebedouro fora retirado devido a “mau uso” por parte de algumas pessoas. Nessa categoria cabiam a lavagem de pés, o enchimento de garrafões e a lavagem de roupa. O que terá provocado danos na base do equipamento, onde existia uma taça, cuja função seria a dar de beber a animais. Em consequência, a água verteria para a envolvente, tornando o piso escorregadio e causando maus cheiros.

O PÚBLICO questionou a Junta de Freguesia de Arroios sobre os motivos por trás da decisão de retirar o equipamento de uso comum e a resposta foi, em tudo, idêntica. “O bebedouro que existia no Largo do Intendente foi retirado porque se encontrava danificado por algumas pessoas o utilizarem, de facto, para a lavagem de pés, o enchimento de garrafões e a lavagem de roupa. A sua degradação implicou que existisse um alagamento em toda a área envolvente, promovendo quedas de pessoas com mobilidade condicionada e maus cheiros. De forma a garantir as condições mínimas de saúde pública e de segurança, foi decidido retirá-lo”, explica, em resposta escrita.

Interrogada sobre se planeava a reposição do dispositivo naquele ou noutro local do Largo do Intendente, a autarquia afastou tal possibilidade a breve prazo. “Não se podendo garantir as condições mínimas de saúde pública e de segurança, foi decidido retirar o bebedouro. A situação não poderá ser alterada enquanto essas condições não puderem ser asseguradas pelas autoridades, não podemos permitir que a sua utilização impeça a segurança de quem por ali passa”, justifica.

E Catarina Portas interroga-se: “Não podem reparar o bebedouro? Não existem outros modelos de bebedouro que não incluam taça? Querem que eu acredite que o chão, junto ao bebedouro, ao ficar molhado, num espaço tão vasto como o Largo do Intendente, com tantos caminhos possíveis, causa quedas inúmeras?” Mantendo as interrogações, ensaia possíveis explicações para a aparente opção de não reposição do bebedouro. “Consideram que, ao contrário de toda a restante população da cidade, os pobres de Arroios não têm direito a água no espaço público? Não gostam de ver a miséria?”

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