A respeito da Ordem dos Médicos

Há muitas coisas que podem dividir os médicos, quanto aos conceitos relativos ao SNS e às suas relações com a política em geral, mas há um conjunto de regras em que todos estamos de acordo.

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A proposta do Governo para a regulamentação das ordens profissionais, entre elas a Ordem dos Médicos, é, no que respeita a esta última e se for aprovada, um sério problema para a saúde dos portugueses, além dos que já têm, por razões sociais e económicas e deficiências do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Há dois pontos principais que atentam contra o exercício da profissão e, portanto, contra a prática legítima e correcta dos cuidados médicos de saúde. A primeira é ter como objectivo menos restrições ao acesso à profissão, limitando os entraves do exercício. O outro é a criação de um órgão de supervisão, com uma maioria de independentes, isto é, não médicos, que entre outras coisas irá determinar as regras dos estágios profissionais.

Há muitas coisas que podem dividir os médicos, quanto aos conceitos relativos ao SNS e às suas relações com a política em geral, mas há um conjunto de regras em que todos estamos de acordo. Só pode ter acesso à profissão quem tiver tido um grau de licenciatura com mestrado incluído e quem tiver sido tutelado durante o tempo suficiente. Só pode ter o título de especialista quem tiver seguido uma carreira de especialização tutelada com exame público final. A não ser assim, corremos o risco de ter “médicos” e “especialistas” a exercerem por aí à sorte das redes sociais e do oportunismo. E corremos o risco de os próprios licenciados e portadores de cartão da Ordem não estarem sob vigilância e eventual julgamento pela estrutura respectiva, se estiverem a exercer de forma lesiva para os doentes.

A história dos médicos portugueses é uma história de que nos orgulhamos. A geração de 1911 estruturou uma medicina baseada no conhecimento científico da época, na observação do doente e na prevenção da saúde, que já vinha de trás em exemplos como Sousa Martins, Mello Breyner ou Alfredo da Costa. As escolas passaram a ser as legítimas e passaram de apenas teoria à prática. Os nomes de Celestino da Costa, Henrique Vilhena, Mark Athias, Francisco Gentil, Júlio de Matos, Sobral Cid, Pulido Valente, Abel Salazar, Egas Moniz, Reynaldo dos Santos, Ricardo Jorge, Aníbal Bettencourt, Carolina Beatriz Ângelo e Adelaide Cabete, entre outros, basearam-se na ciência e na clínica, separando-se do empirismo de tempos anteriores. Não é por acaso que a Associação dos Médicos Portugueses foi criada em 1898, passando a designar-se Ordem dos Médicos (OM) em 1938, tendo como primeiro bastonário o grande Elísio de Moura. Foi à volta da OM, com Miller Guerra como bastonário, que se divulgou o objectivo das carreiras médicas. E foi a respeito da OM que eu própria e o meu colega Rui de Oliveira fomos presos pela PIDE e seríamos julgados em Tribunal Plenário, se não tivesse havido o 25 de Abril. Para além de nós, trinta e dois colegas foram interrogados.

Ou seja, a Ordem tem uma história que nos honra, com concordâncias e discordâncias, como é saudável na comunidade de profissionais. Somos acusados de ter espírito de corpo e não reconhecermos publicamente erros de colegas. Ainda bem. O que seria dos utentes/doentes se discutíssemos em praça pública os diagnósticos e as terapêuticas. Quebrava-se um dos principais pontos da relação clínica e dos resultados da terapêutica, mesmo que seja placebo, a confiança.

Os médicos portugueses têm uma formação ao nível dos melhores internacionalmente. Por isso, cobiçados.

Outras ordens há que são de curto passado. Todavia, se não tivessem sido criadas ordens dos Nutricionistas e Psicólogos, quantas consultas haveria por aí de falsos nutricionistas e psicólogos, com as quais os poderes públicos nunca se incomodaram.

E era só o que faltava “independentes” intervirem na criação de especialidades! Isto é muito sério e dá muito trabalho.

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