A chuva vai ser uma ameaça cada vez maior nas montanhas com o aquecimento global

Estudo indica que cada grau de aumento da temperatura média do planeta aumenta em 15% a intensidade de episódios extremos de chuva nas regiões montanhosas.

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A montanha Piz Cengalo, na fronteira entre a Suíça e a Itália: os Alpes são uma das regiões mais afectadas por este efeito Arnd Wiegmann/REUTERS
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Com cada grau que a temperatura média do planeta suba por causa do aquecimento global, aumenta em 15% a intensidade dos episódios extremos de chuva nas regiões montanhosas mais elevadas do hemisfério norte, diz um artigo publicado nesta quarta-feira na revista Nature. “Cada grau tem importância. Se o aquecimento chegar a três graus Celsius, a intensidade da chuva aumenta 45%”, disse ao PÚBLICO Mohammed Ombadi, o principal autor deste trabalho.

“Os nossos resultados identificam as regiões de alta altitude como pontos cruciais vulneráveis aos futuros riscos relacionados com episódios extremos de chuva, o que exige que se façam planos robustos de adaptação para aliviar este risco potencial”, escreve a equipa de Ombadi na revista Nature. Estas são chuvas que se concentram num período curto, mas com grande intensidade.

O trabalho dos cientistas mostra também, diz Ombadi ao PÚBLICO por email, como é importante que se alcancem as metas do Acordo de Paris – que prevê limitar, até ao fim deste século, o aquecimento global a 1,5 graus acima do que se verificava antes da Revolução Industrial. “Para alcançarmos estes objectivos, temos de investir em tecnologias limpas para diminuir as concentrações de gases com efeito de estufa”, diz o investigador do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, nos Estados Unidos, e da Universidade do Michigan. É o aumento destes gases na atmosfera que provoca o aquecimento global e está por trás das alterações climáticas.

A investigação da equipa de Mohammed Ombadi focou-se em algo que está ainda mal estudado. Estão a dar-se os primeiros passos para compreender se haverá uma redução na queda de neve, que é precipitação sólida, e como isso pode alterar o risco de extremos de precipitação em zonas específicas do globo, explicam os cientistas no artigo na Nature. “Esta é a primeira vez que alguém analisou a parcela de chuva (líquida) e de neve (sólida) durante esses episódios”, explica Mohammed Ombadi.

“O nosso estudo é o primeiro que quantifica as alterações nos episódios extremos de chuva devido ao aquecimento global”, explica o cientista. Usando dados históricos, por um lado, e modelos computadorizados que fazem previsões para a evolução futura do clima da Terra (até 2100), os cientistas concluíram que, por cada grau que a temperatura média do planeta suba por causa do aquecimento global, aumentará em 15% a intensidade dos episódios extremos de chuva nas regiões de alta montanha.

“Esta taxa é quase o dobro do que os cientistas que trabalham em alterações climáticas observaram anteriormente para toda a precipitação [neve e chuva]”, sublinha Ombadi. O risco é amplificado nas regiões montanhosas mais elevadas do hemisfério Norte (que foi a área de estudo deste trabalho).

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Equipas de emergência resgatam sobreviventes de um deslizamento de terras no Nepal: esta é uma das consequências dos episódios extremos de chuva, e os Himalaias são uma das zonas mais afectadas Navesh Chitrakar/REUTERS

Exemplos destas regiões incluem os Alpes, e as montanhas denominadas Alpes Escandinavos (ou Kjølen, como lhes chamam os noruegueses), na Europa. Na América do Norte contam-se as Montanhas Rochosas, a cordilheira das Cascatas e a Sierra Nevada, enquanto os Himalaias representam a Ásia. “Os nossos resultados mostram que todas as regiões montanhosas/de alta elevação e dominadas por neve serão afectadas por esta amplificação”, frisa Mohammed Ombadi.

Mas o que acontece nas regiões a jusante, pouco elevadas, mas por onde correm rios que nascem em serras altas? Podemos pensar no Tejo, ou no Douro, que nascem nas serras de Albarracin (1921 metros no ponto mais alto) e de Urbión (2228 metros), embora as suas nascentes não sejam em montanhas assim tão altas.

“Em todos os rios que tenham origem em regiões montanhosas pode haver um aumento do risco de cheias, devido ao efeito de amplificação dos episódios extremos de chuva que quantificámos neste artigo”, responde Ombadi.

Um quarto da população da Terra

Na verdade, um quarto da população do planeta vive em montanhas ou em sistemas a jusante da alta montanha e estão na linha de risco dos efeitos do aumento em 15% da intensidade de episódios extremos de chuva por cada grau que seja acrescentado à temperatura média do planeta. “Este aumento dos fenómenos extremos de chuva não é algo que vai acontecer até ao fim do século XXI – já o estamos a sentir. Esta taxa já era evidente nos dados de 1950 a 2019 e vai continuar a acelerar”, afirmou Mohammed Ombadi, citado num comunicado de imprensa do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley.

A equipa apela a que estes dados sejam incluídos nas estratégias de mitigação e adaptação às alterações climáticas, para melhor lidar com os riscos de precipitação extrema, como as inundações e os deslizamentos de terras. As estimativas dos extremos de precipitação são já incorporadas na concepção de várias infra-estruturas, como canais de drenagem para estradas, barragens e edifícios.

“Os nossos resultados indicam que se estão a intensificar (a uma taxa mais elevada do que esperávamos) os extremos de precipitação, e isto tem de ser levado em conta na construção de infra-estruturas nas regiões afectadas”, sublinhou ao PÚBLICO Ombadi. Para garantir que resistem e que continuam a ser utilizáveis no clima do futuro que está já aí à porta.

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