Ramón Salaverría: desinformação e IA abrem fase mais transformadora do jornalismo

Coordenador de estudo do Observatório Ibérico de Media Digitais e da Desinformação defende que os jornalistas devem reforçar a verificação de factos “no começo da linha de produção”.

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O consórcio ibérico Iberifier investigou o impacto da desinformação no jornalismo Rui Gaudencio
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O recurso à Inteligência Artificial para a produção de desinformação obriga os jornalistas a reforçarem a verificação de factos nas notícias que publicam. O apelo foi feito pelo coordenador do Observatório Ibérico de Media Digitais e da Desinformação (Iberifier), Ramón Salavarría, que há três décadas investiga o impacto dos meios digitais no jornalismo.

Ao PÚBLICO, o professor catedrático na Universidade de Navarra explicou que durante a pandemia, até 2022, “a desinformação que circulava nas redes sociais era muito textual, pois o principal veículo de informação eram as mensagens". Contudo, a partir de Fevereiro do último ano, surgiu uma nova vertente de desinformação.

“O facto de a guerra na Ucrânia acontecer num país onde o idioma e a escrita não são conhecidos pelos ibéricos propiciou um formato de desinformação gráfica, ao invés de textual, com fotografias e vídeos”, disse.

Por isso, o investigador entende que o conflito no Leste da Europa permitiu à desinformação dar "um passo em frente”, obrigando os jornalistas a redobrarem atenções quanto à “fabricação gráfica e textual de mentiras” – as manipulações deepfake, assentes em ferramentas gráficas de Inteligência Artificial.

Para Ramón Salaverría, o facto de a “informação digital nativa ter atingido a maioridade" e a Inteligência Artificial ser já uma ferramenta do quotidiano, resultam no momento "mais transformador" alguma vez vivido pelo jornalismo, talvez equiparado apenas a 1995, quando a tecnologia digital e a democratização do acesso à Internet levaram à mudança da estrutura tradicional dos media.

“Os actores da internet agora têm uma ferramenta que permite produzir conteúdos a uma velocidade que não existia. O que a Inteligência Artificial traz consigo é a capacidade de produzir todo o tipo de conteúdo, seja verdadeiro ou falso. Isso é tremendamente disruptivo”, argumentou.

Verificar a informação antes de pensar na audiência

O investigador considera por isso essencial que os media esqueçam o sprint das audiências e reforcem a verificação dos factos logo “no começo da linha de produção” noticiosa, ao invés de reverem o conteúdo depois de publicado.

Mas apesar das ameaças que a Inteligência Artificial pode representar para o jornalismo, Ramón Salaverría ressalvou a possibilidade de estas ferramentas também poderem auxiliar os jornalistas no processo de revisão dos conteúdos trabalhados.

Dados de 2022 citados pelo consórcio Iberifier referem que durante a pandemia foram difundidas 1223 notícias falsas em Espanha, o país da União Europeia onde os residentes menos confiam no sistema mediático. Em sentido contrário, Portugal está entre os países do mundo em que leitores e espectadores consideram os media nacionais mais imunes à influência política.

“Em Portugal, apesar das diferenças entre os grandes media, convergem para um território mais ou menos central. A diferença para Espanha é que não existe a disputa entre constitucionalistas e independentistas”, explicou Ramón Salaverría.

No entanto, o académico lembrou que a “fragilidade económica” dos media os torna vulneráveis a pressões políticas e empresariais.

O futuro da Iberifier para lá de 2024

O consórcio ibérico, coordenado pela Universidade de Navarra e que integra 12 universidades, entre as quais o ISCTE e a Universidade de Aveiro, investigou desde Setembro de 2021 o impacto da desinformação em Portugal e em Espanha.

Satisfeito com os resultados, Ramón Salaverría espera que o financiamento do laboratório seja renovado pela Comissão Europeia por mais 30 meses, a partir de Fevereiro de 2024.

Uma vez que os meios de comunicação social ibéricos estão já mapeados, o próximo passo será desenvolver "uma comunidade de conhecimento, baseada num mapa de media digital que oferece a informação de todos os países que falam os idiomas”.

“O facto de fazermos parte de uma comunidade cultural e linguística tão grande, não cingida a um território geográfico, e que há séculos gera essa estrutura global, talvez seja um motivo pelo qual o contexto ibérico é um território com expressão global”, concluiu o investigador.

O PÚBLICO integra o consórcio do Iberifier desde este ano com a Prova dos Factos.

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