Temas de corrupção são o motor da desinformação em Portugal

A investigação do consórcio Iberifier permitiu tirar conclusões sobre a desinformação em Portugal. Quase metade dos inquiridos confiam no jornalismo, mas a maioria evita notícias na Internet.

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Augusto Santos Silva e investigadores do projecto IBERIFIER LUSA/António Pedro Santos
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A corrupção é o tema que motiva mais campanhas de “manipulação informativa em Portugal”. A desinformação tem crescido devido à “situação financeira e à vulnerabilidade do ecossistema mediático português”. Ainda assim, 40% dos portugueses confiam nos jornalistas, a taxa mais elevada na União Europeia (UE). Os dados são do consórcio Iberifier e foram apresentados esta quarta-feira em Lisboa.

Estas são algumas das conclusões da investigação sobre a desinformação na Península Ibérica, desenvolvida desde Setembro de 2021 pelo Observatório Ibérico de Media Digitais e da Desinformação (Iberifier), projecto financiado pela Comissão Europeia, coordenado pela Universidade de Navarra e que integra 12 universidades – o ISCTE lidera a investigação em Portugal. O PÚBLICO integra desde este ano o consórcio com a Prova dos Factos.

Na apresentação do relatório, no auditório lotado da agência Lusa, os vários intervenientes explicaram de que modo a pandemia e a guerra na Ucrânia serviram de base para o estudo, nomeadamente através dos conteúdos disseminados nas redes sociais, com o objectivo de compreender a tentativa de “descredibilizar as decisões políticas e destabilizar socialmente”.

Ainda que em Portugal não tenha sido registada qualquer campanha deliberada de desinformação, as redes sociais são dominadas pelos “partidos menores e mais radicalizados”. Os dados da plataforma FOXP2 indicam que, em Agosto de 2022, o Chega era o partido que conseguia melhor envolvimento, isto é, a combinação de “gostos”, “partilhas” e “comentários” dividido pelo número de seguidores. Nesse ranking seguia-se a Iniciativa Liberal, PSD, PCP, PAN, BE, Ergue-te, PS, CDS.

A “artilharia” jornalística no combate à desinformação

Um dos convidados da conferência foi o presidente da Assembleia da República, Augusto Santo Silva, que sugeriu a adopção de uma abordagem firme, mas cautelosa, no combate à desinformação. Recordando actos eleitorais nos Estados Unidos da América, Brasil ou França, assim como o processo do “Brexit” no Reino Unido, o presidente da Assembleia da República alertou que o fenómeno tem atacado democracias “consolidadas”, por vezes “patrocinados, directamente ou indirectamente, por Estados autoritários”.

“O desenvolvimento das redes sociais e a participação activa que proporcionam tornam as pessoas mais vulneráveis aos efeitos da desinformação. A vida pública não resulta apenas da relação de uma massa e uma liderança. A história da Europa mostra-nos que essa realidade torna propício o aparecimento de movimentos fascistas, que põem em casa o escrutínio e o debate social”, argumentou Augusto Santos Silva.

Por isso, o presidente da Assembleia da Repúblicas vê no “combate educacional e ideológico” o “melhor antídoto”, uma vez que a literacia mediática protege as pessoas da desinformação. Quanto ao papel dos tribunais na questão da desinformação, o governante argumentou que este agente deve ser envolvido “como último recurso”. Recuperando o artigo 17 da Constituição portuguesa, lembrou que a acção governativa não deve, em qualquer momento, “atingir o núcleo da liberdade de expressão”. Por isso, à excepção dos casos que incitam à violência e contrariam as ideologias da democracia, o Governo deverá apenas “impedir os efeitos da mentira”, acrescentou.

Para Augusto Santos Silva, uma vez identificado o problema da desinformação em Portugal, falta encontrar soluções ou formas de contrariar o fenómeno. Segundo o presidente da Assembleia da República, a migração do jornalismo para o discurso de “soma zero, de quem arrasou e de quem foi arrasado, de quem ganhou”, ou seja, a importação de “técnicas de entretenimento”, abre as portas a métodos alternativos de consumo da informação e, por isso, aproxima-se da desinformação.

“Sempre que os valores noticiosos são comandados pelo público, pelas audiências, negamos a condição do jornalismo e não distinguimos os factos das verdades tribais”, argumentou.

Descartando qualquer falsa esperança sobre o futuro do jornalismo em Portugal, Augusto Santos Silva referiu a auto-regulação, a formação e a participação dos profissionais como medidas prioritárias para o combate à desinformação, apenas possível com a “artilharia” da ética jornalística.

O desinteresse pelas notícias

Dados do Eurobarómetro indicam que Portugal é o país da UE onde mais facilmente a população identifica potenciais informações falsas (85%). Contudo, é também o país onde menos se paga pelo acesso a notícias no formato digital, factor que agrava a situação económica dos grupos nacionais de media, cujo lucro a partir do digital é inferior ao prejuízo que resulta das perdas no formato tradicional, ou seja, na compra do jornal impresso.

Como explicou Vania Baldi, professor associado no ISCTE, o poder simbólico do jornalismo na sociedade tem diminuído nos últimos anos. Além de “imprecisões informativas”, da precarização do sector profissional e do esvanecer de fronteiras entre a informação e entretenimento, o investigador espanhol nota cansaço nas pessoas face ao modelo noticioso.

O desinteresse, acentuado entre os jovens, os mais pobres e os menos escolarizados, advém, como se lê no relatório, da “saturação” da cobertura ininterrupta de temas “importantes para a vida quotidiana”, como a pandemia, eleições ou a guerra. Por isso, três em cada quatro portugueses inquiridos reconhecem que, na Internet, evitam notícias.

A (des)confiança afasta Portugal da Europa

A televisão continua a ser o veículo principal para distribuir as notícias em Portugal, seguida pelas plataformas online. Para Gustavo Cardoso, professor catedrático no ISCTE, nenhum outro assunto se torna tão viral quanto os casos de corrupção. Ao contrário dos outros países europeus, nos quais a imigração domina os debates, Portugal destoa dessa norma. Uma questão de desconfiança, argumentou Gustavo Cardoso, uma vez que a percepção de um maior número casos de corrupção resulta de uma cobertura jornalística mais intensiva.

“Em termos de confiança, na percepção de ‘todos roubam todos’, não somos parecidos com os espanhóis ou os franceses. Para encontrar o mais próximo do nosso caso é preciso atravessar o oceano”, acrescentou o investigador.

Admitindo a necessidade de investir nos media e na formação de profissionais, Vítor Tomé, investigador no ISCTE, argumentou que a literacia mediática, primordial para a formação de sentido crítico, integra um conceito mais amplo – a transliteracia – e apenas pode ser ensinada por aqueles que continuam na procura da verdade.

Por isso, o investigador explicou que a mediatização, documentação, “datificação”, incluindo o algoritmo, são alguns dos elementos que devem integrar a formação no jornalismo, associando ao contexto adquirido os diferentes contextos sociais e respectivas ideologias.

O consórcio da Iberifier, liderado por Ramón Salaverría, investigador espanhol e professor catedrático na Universidade de Navarra, está agora disponível no respectivo site. Para o futuro, o grupo de investigadores e jornalistas pretende delinear um mapa ibero-americano, identificando os media digitais da comunidade lusófona e hispânica.

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