Dia mundial dos refugiados e um só planeta!

Urge definir o conceito jurídico e prático de “refugiado climático”, com vista a uma maior protecção das pessoas e famílias que se vêem obrigadas a sair da sua região e país de origem.

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Celebra-se a 20 de junho o dia mundial dos refugiados. Por todo o globo, os movimentos migratórios têm gerado uma das maiores crises humanitárias. Em 2023, o número de refugiados a nível mundial bateu um novo recorde. Por esta razão, nunca como hoje foi tão essencial o reforço da ação política de apoio a quem, legitimamente, tenta fugir à guerra, a violações dos direitos humanos ou aos efeitos das alterações climáticas. Nunca precisámos de tanta solidariedade e ação, contrariamente ao que algumas forças populistas extremistas vêm advogando um pouco por toda a Europa.

Foram, sobretudo, os conflitos no Sudão e na Ucrânia que, segundo os dados mais recentes da Organização das Nações Unidas (ONU), mais contribuíram para engrossar o número de pessoas - 108,4 milhões - que se viram forçadas a deixar as suas casas, famílias, as suas vidas, para trás. Ao todo, os registos oficiais falam num aumento de 19,1 milhões de pessoas deslocadas em relação ao final de 2021, naquele que foi o maior aumento de sempre desde que os registos começaram, em 1975.

Parte dos refugiados são consequência de situações de conflito no mundo relativamente às quais a comunidade internacional tem falhado em conseguir um regresso à paz. Do total de refugiados e de pessoas que necessitam de proteção internacional, cerca de metade provém de apenas três países: Síria, Ucrânia e Afeganistão.

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Uma criança caminha com uma faixa à frente de uma marcha silenciosa para assinalar o Dia Mundial do Refugiado, em Malta, no dia 20 de Junho de 2023 REUTERS/Darrin Zammit Lupi

Não podemos também ignorar os mais vulneráveis e os números avassaladores de crianças refugiadas. Seja nos campos de Moria, em al-Hol, no nordeste da Síria ou no Rohingya, o maior campo de refugiados do mundo, existem inúmeras crianças em condições desumanas, em risco de vida, sem comida, privadas da sua liberdade, da sua infância e do acesso à educação. Contudo, apesar das boas intenções proclamadas, também aqui os estados têm falhado redondamente nos compromissos anunciados e na proteção e acolhimento destas crianças.

A par da guerra e dos conflitos existentes, a crise climática veio criar uma nova realidade e preocupação: os refugiados climáticos. Olhando para os quase 110 milhões de pessoas que fugiram devido a conflitos, perseguições, discriminação e outras formas de violência, muitas vezes associados já ao impacto da crise climática, Filippo Grandi, Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), afirma sem rodeios que esta situação "é uma grande acusação ao estado do nosso mundo". Não tenhamos dúvidas: é-o mesmo!

Ainda assim, a comunidade internacional anda desde há pelo menos 50 anos, desde a Convenção de Estocolmo, a adiar ou a dar passos inaceitavelmente tímidos para fazer face a esta emergência, já então anunciada pela comunidade científica.

O número de pessoas que terá de abandonar as próprias casas nas próximas décadas, em resultado de movimentos migratórios causados pela crise climática, tende a aumentar. Segundo o mais recente relatório do Internal Displacement Monitoring Center (IDMC), só no ano passado 22,3 milhões de pessoas se deslocaram em resposta a desastres associados ao clima - a média anual registada entre 2008 e 2020 é de cerca 21 milhões.

Desde famílias a fugir da seca extrema na Somália, a comunidades inteiras desalojadas pelas cheias no Paquistão, torna-se claro que as migrações motivadas pelos fenómenos climáticos se intensificaram e cada vez mais se farão sentir. Mas não achemos que os efeitos das alterações climáticas e fenómenos extremos são uma realidade distante dos países da Europa. Vejam-se as cheias que recentemente tiraram a vida em Portugal a pelo menos duas pessoas, ou as que na Itália tiraram a vida a pelo menos 14 pessoas e afetaram mais de 10 mil pessoas, que foram desalojadas.

Por isto, para o PAN, urge definir o conceito jurídico e prático de “refugiado climático”, com vista a uma maior proteção das pessoas e famílias que se veem obrigadas a sair da sua região e país de origem. Esta urgência levou-nos a apresentar uma iniciativa na Assembleia da República para a criação do estatuto do refugiado climático. Não estar prevista a concessão da devida proteção jurídica e asilo a quem foge destes fenómenos é agudizar a crise humanitária que já vivemos e fracassar no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável previstos na Agenda 2030.

Não obstante os números, a violência dos eventos climáticos extremos, e os impactos socioeconómicos dos mesmos, ano após ano e nos mais diferentes pontos do globo, têm persistido divergências quanto à utilização do conceito de “refugiado” pela proteção legal que tem implícita e por, em 2018, o Conselho de Direitos Humanos da ONU ter assumido que o termo “refugiado” não se aplicaria aos migrantes climáticos. Tal posicionamento não só não faz sentido, como entendemos que é urgente que seja dado tratamento e proteção legal semelhantes, com as necessárias adaptações, aos migrantes climáticos.

A criação do estatuto de refugiado climático é urgente e justa, e viria dar resposta a um vazio legal que deixa milhares de pessoas perigosamente desprotegidas. Até lá, cabe-nos, enquanto sociedade, enquanto país ou enquanto estado membro da União Europeia ou de organizações como a ONU, tudo fazer para garantir que nenhuma porta se fecha a quem procura uma vida digna quando tudo falhou, no seu local de origem, oferecendo uma proteção adequada a todos os que se encontram em situação de especial vulnerabilidade.

E, quando sabemos que os países mais desfavorecidos e que menos poluem vão ser os mais afetados pela crise climática, o mantra tantas vezes repetido de “não deixar ninguém para trás” tem mesmo de incluir os mais vulneráveis. Os refugiados climáticos não podem continuar a ser exceção.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

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