Japão reconhece esterilização forçada de 25 mil pessoas até 1996, incluindo crianças

Inquérito parlamentar confirma impacto de projecto eugénico do pós-guerra e dá força a pedidos de indemnização. Muitas das cirurgias de esterilização decorriam sob o disfarce de apendicectomias.

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Milhares de japoneses com patologias hereditárias, deficiência física ou doença mental foram submetidas a esterilização forçada EPA/KIMIMASA MAYAMA
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Duas crianças de nove anos estão entre as mais de 25 mil pessoas, a maioria menores, que foram objecto de esterilização involuntária no Japão entre 1948 e 1996, quando, após a II Guerra Mundial, Tóquio enveredou num projecto eugénico para "reconstruir" a sociedade nipónica, através da "melhoria" do património genético e da prevenção de bebés considerados "inferiores", revelou um relatório parlamentar divulgado esta segunda-feira.

A Lei de Protecção Eugénica, que vigorou durante 48 anos, submeteu a cirurgias de esterilização involuntária, disfarçadas de apendicectomias, milhares de japoneses com deficiência motora, cognitiva ou mental, bem como portadores de doenças como a lepra, ou pessoas com patologias hereditárias.

Um inquérito parlamentar, iniciado em Junho de 2020, e que reúne mais de 1400 páginas, concluiu que, das 25 mil pessoas sujeitas a cirurgias, pelo menos 16 mil foram-no claramente sem consentimento.

Foi o caso de uma japonesa, não identificada, que em entrevista à britânica BBC em Abril de 2019, recordou que em 1972, aos 15 anos, o diagnóstico de “problemas mentais hereditários” a conduziu ao bloco operatório. Uma vez que era menor, foi forçada a aceitar a decisão pelos pais. Há três anos, esta vítima anunciou que iria processar o Governo japonês, exigindo uma indemnização de 11 milhões de ienes (cerca de 71 mil euros).

Nessa altura, o então primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, pediu desculpa pelo sofrimento causado às mais de 25 mil vítimas, anunciando indemnizações na ordem dos 3,2 milhões de ienes (cerca de 21 mil euros) por pessoa.

O valor das compensações tem sido objecto de debate legal e político. Ainda em 2019, o Supremo Tribunal de Osaka havia sugerido indemnizações de 13 milhões de ienes (84 mil euros). Já em 2023, em Janeiro, de acordo com o The Japan Times, o Tribunal Distrital de Kunamoto concluiu que a lei da eugenia, entretanto revogada, teve um carácter inconstitucional e representou por isso uma “violação extrema dos direitos humanos”, ordenando o pagamento de indemnizações de 22 milhões de ienes (142 mil euros) a duas vítimas, hoje com 76 e 78 anos.

O relatório apresentado esta segunda-feira no Parlamento nipónico não silenciou críticas aos sucessivos executivos, sobretudo através das redes sociais. No Twitter, muitos utilizadores questionam como é a que lei vigorou 48 anos.

Como recorda a BBC, também decorreram campanhas de esterilização forçada ao longo do século XX em alguns países europeus, nomeadamente a Alemanha e Suécia, e também nos Estados Unidos da América - onde, entre 1907 e 1979, mais de 60 mil pessoas foram submetidas involuntariamente a este tipo de cirurgia.

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