O futuro das cidades, entre tecnologias que as expandem e o apelo da proximidade

Inovação tecnológica e renaturalização do espaço urbano são duas faces da mesma moeda, quando se fala de cidades do futuro, tema do terceiro episódio do videocast Perguntar Futuro.

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No debate sobre o futuro do urbanismo, correm lado-a-lado duas tendências fortes: a reinvenção da cidade por via da inovação e a recuperação da relação entre a humanidade e a natureza Guillermo Vidal
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Cidades do futuro, o que são? Os americanos chamar-lhe-iam uma pergunta de um milhão de dólares, mas, na verdade, hoje mesmo estão a ser investidos muitos milhares de milhões de euros em soluções que hão-de equipar o tecido urbano nas próximas décadas. Não faltam, pela Internet, em 3D, imagens de novas cidades para um novo tempo de adaptação à crise climática, no qual a palavra sustentabilidade (ambiental, económica, social) ganha múltiplas expressões, algumas delas de genuína preocupação com o nosso futuro no planeta, outras de um mero lavar de consciência, ou greenwashing.

As cidades são o tema do terceiro episódio do videocast Perguntar Futuro, no qual dois convidados conversam sobre temas do presente que estão a transformar o futuro e que junta, neste caso, Rodrigo Vilas-Boas, do estúdio de arquitectura OODA, e Inês Drummond Borges, líder para a transformação (CTO) da Sonae. Perguntar Futuro “é um ciclo de oito conversas entre o diálogo e o desafio”, apoiadas pela Sonae (proprietária do PÚBLICO), com especialistas de experiências distintas e diferentes visões sobre a educação, a banca, a energia, o entretenimento, a saúde, a inteligência artificial ou a biotecnologia.

Todos estes temas se cruzam com o espaço urbano, ou não concentrasse ele, hoje, metade da população mundial, responsável por três quartos das emissões de CO2. Diminuir este impacto ganhou foros de urgência, com a crise climática e ambiental, e a tecnologia — traduzida em sensores, novas técnicas e materiais de construção, formas de autoprodução e armazenamento de energia, carros autónomos, etc. é omnipresente nessas imagens da cidade do futuro. Nas quais surge entre ou até escondida sob uma capa de vegetação, sintetizando, dessa forma, duas tendências fortes: uma baseada na crença na capacidade humana de reinventar a cidade, por via da inovação, por um lado; a outra apostada na correcção dos desequilíbrios ambientais e na recuperação de uma relação entre a humanidade e a natureza.

Se a tecnologia expande as cidades desterritorializando relações e conectando-nos, onde quer que estejamos, às pessoas, aos objectos e lugares que nos interessam e ampliando, como se viu com a Internet, e mais agora com a inteligência artificial, os nossos “espaços” de existência , a renaturalização do espaço urbano tem outro efeito. Aproxima-nos da água dos ribeiros outrora entubados, dos seres vivos que pululam nas árvores e arbustos dos jardins de bairro, das flores cujos nomes deixámos de saber, e das pessoas que vivem perto de nós, cujos nomes também deixámos de saber, e a que outrora chamávamos vizinhos.

A vizinhança é uma energia que, por todo o planeta, uma miríade de organizações tenta recuperar. Utopia vã, na era do individualismo? Em paralelo com a aposta financeira em muitas dessas “renderizações” do futuro, que custarão biliões de euros a concretizar, muitos planeadores e decisores já perceberam que é preciso (re)investir no tecido urbano existente; que é preciso criar condições físicas para uma economia de proximidade, até porque esta é menos consumidora de outras energias, aquelas que gastamos para nos locomovermos no dia-a-dia, ou para que a comida e outros bens cheguem até nós.

Com a sua “Cidade de 15 minutos”, o académico franco-colombiano Carlos Moreno conseguiu atrair a atenção global para um conceito que, sob vários nomes e com vários autores, andava havia décadas a fazer caminho. A sua síntese, que inspira muitos autarcas, acaba de ser adoptada pela organização da ONU para a habitação e as cidades, a UN Habitat, pela UCLG uma organização mundial das cidades e governos regionais e pelo convénio de grandes metrópoles para a liderança climáticas reunidas no grupo C40. A 5 de Junho último foi criado o Observatório Global para as “Proximidades Sustentáveis”, no qual a equipa de Moreno tem um protagonismo liderante, e que pretende reflectir e partilhar soluções, globalmente, para a criação de espaços urbanos menos consumidores de recursos.

As teses de Moreno, um “influencer” da proximidade, já têm, como seria de esperar, um contraponto crítico, como se viu numa intervenção recente de outro influencer, o psicólogo Jordan Peterson, que ampliou as críticas de grupos conservadores a um projecto de redução do tráfego automóvel no centro de Oxford, no Reino Unido. Num mundo dado a teorias conspiracionistas, esta tentativa de racionalização do espaço e da vida urbana que procura diminuir a pegada das deslocações obrigatórias (ir trabalhar, estudar, fazer compras) e revitalizar a vida de bairro, retirando-lhe o peso da presença excessiva do carro no espaço público, também é vista como uma espécie de confinamento.

O debate sobre o futuro das cidades faz-se, assim, entre os receios de um atentado à liberdade de circulação – que tem no uso do carro a sua máxima expressão e a percepção do quanto a aposta na mobilidade individual em automóvel expandiu excessivamente a cidade, tornando dispendiosa a sua infra-estruturação e manutenção, e vem afectando a saúde, segurança e a liberdade de usufruto do espaço público por inúmeros grupos sem autonomia ou condições económicas para conduzir um carro. E, como se percebeu nos anos mais recentes, será também um debate sobre o próprio direito à cidade. Sem habitação acessível nos centros urbanos, a proximidade será apenas um conceito vago, de difícil replicação.


Temas do presente que estão a transformar o futuro: oito conversas entre o diálogo e o desafio, protagonizadas por especialistas com experiências distintas e diferentes visões sobre a educação, a banca, a energia, o entretenimento, as cidades, a saúde, a inteligência artificial, a biotecnologia. Perguntar Futuro é uma série editorial em formato de videocast produzida pelo PÚBLICO, com o apoio da Sonae.

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