Morte de mais uma grávida gera novos protestos pelo direito ao aborto na Polónia

Uma mulher de 33 anos morreu depois de complicações na gravidez sem que lhe tenha sido dada a opção de abortar. “Parem de nos matar”, pedem as polacas.

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Marcha em Varsóvia pelo direito ao aborto concentrou-se em frente ao Ministério da Saúde Reuters/KACPER PEMPEL
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Milhares de activistas pelo direito ao aborto organizaram protestos em toda a Polónia na quarta-feira à noite. As novas manifestações foram desencadeadas pela notícia da morte de uma mulher de 33 anos no mês passado que estava grávida, mas a quem não foi permitido terminar a gravidez.

Praticamente todas as cidades polacas tiveram marchas de repúdio contra as leis restritivas do aborto em vigor na Polónia. “Parem de nos matar” era um dos slogans mais ouvidos, de acordo com a agência Reuters. Em Varsóvia, a manifestação concentrou-se em frente ao edifício do Ministério da Saúde.

“Queremos médicos, não missionários” ou “Inferno para as mulheres” eram algumas das frases escritas nos cartazes empunhados pelos manifestantes.

Muitos também levavam fotografias de Dorota Lalik, a mulher que no mês passado morreu num hospital em Nowy Targ, no Sul do país, três dias depois de ter dado entrada. As águas tinham rebentado quando Dorota estava a entrar na 20.ª semana de gravidez, mas no hospital ninguém a informou quanto à possibilidade de fazer um aborto.

“O tempo todo estiveram a dar-nos uma falsa esperança de que tudo iria ficar bem, que [no pior cenário] a criança seria prematura”, disse o marido de Dorota numa entrevista aos media polacos. “Ninguém nos deu a hipótese ou a escolha de salvar Dorota, porque ninguém nos disse que a vida dela estava em risco”, acrescentou.

Na segunda-feira, o provedor dos direitos dos pacientes, Bartlomiej Chmielowiec, disse que o hospital violou os direitos de Dorota por não ter permitido que ela pudesse fazer um aborto.

Na Polónia, o aborto é permitido apenas se a gravidez for resultado de um crime, como violação ou incesto, ou se existir um risco para a saúde ou para a vida da mulher. Em 2020, o Tribunal Constitucional considerou ilegal a interrupção da gravidez quando fossem detectados problemas ou deficiências no feto, limitando ainda mais as situações em que o aborto é legal.

A medida é defendida pelo Governo ultraconservador, mas para muitos dos críticos desta legislação um dos efeitos mais nefastos é a enorme hesitação que os médicos têm em recorrer ao aborto, mesmo em casos como o de Dorota.

Em 2021, uma mulher de 30 anos chamada Izabela, que estava na 22.ª semana de gravidez, morreu de choque séptico porque os médicos quiseram esperar até que o coração do bebé parasse de bater para o retirar.

“A legislação anti-aborto na Polónia é muito restrita, mas os médicos estão a negar acesso a abortos que são legais”, disse ao Guardian Marta Lempart, uma das organizadoras das manifestações contra a lei. “A interpretação que eles fazem da lei é ainda mais estrita que a do Governo”, explicou.

As restrições ao aborto devem ser um dos temas em discussão durante a campanha para as eleições legislativas no Outono, em que o Partido da Lei e Justiça (PiS), no poder desde 2015, corre o risco de vir a perder a maioria. A generalidade das sondagens mostra que uma grande maioria da sociedade acredita que a legislação actualmente em vigor constitui um risco para as mulheres grávidas.

O Ministério da Saúde disse que vai pedir a uma comissão de especialistas para que elaborem um conjunto de regras e procedimentos para serem seguidos pelos médicos obstetras.

“Na Polónia, qualquer mulher cuja saúde e vida estejam em perigo tem o direito de interromper a sua gravidez, ou seja, fazer um aborto”, disse o ministro da Saúde, Adam Niedzielski, esta semana.

O líder do PiS, Jaroslaw Kaczynski, desvalorizou os protestos e as críticas feitas à legislação, dizendo que não passam de “propaganda” e de “realidade imaginária”.

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