O foral do século XIII e o futuro do lítio em Montalegre

Com a Agência Portuguesa do Ambiente a dar “luz verde” à exploração mineira de uma empresa estrangeira no Barroso, quem vai querer comer cozido e fumeiro de uma região com as águas contaminadas?

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Megafone P3: O foral do século XIII e o futuro do lítio em Montalegre Adriano Miranda
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A 9 de Junho de 1273, D. Afonso III concedeu uma carta de foral a Montalegre. Os 750 anos, decorridos sobre este acontecimento, redondos e que facilmente, e bem, se prestam à celebração, fazem-nos reflectir sobre o passado e o futuro desta vila barrosã.

Montalegre não tem 750 anos de idade, é muito mais antiga. Também não tem uma data de nascimento. Na verdade, Montalegre não nasceu. Tal como quase todas as aldeias, vilas e cidades, formou-se, organicamente, através de um longo e imemorial processo de ocupação humana.

Um foral não é uma carta de fundação. Ninguém acordou um dia e disse: “Vou fundar Montalegre”. A vila antecede o foral. Este apenas reconhece uma população já existente e concede-lhe uma série de direitos, liberdades e protecções. Em troca, eram atribuídos ao rei certos direitos, entre os quais a cobrança de impostos. Era um acordo que beneficiava ambas as partes.

Voltando agora ao presente, li o artigo publicado há dias no Jornal de Notícias que faz publicidade às referidas celebrações. Escreve-se sobre a gastronomia: o cozido, o fumeiro e a carne barrosã. Fala-se sobre a natureza: o Parque Nacional Peneda Gerês, que cobre um quarto da área do concelho. Enaltece-se o povo montalegrense, apelidado de “persistente e hospitaleiro”, a sua terra e as suas práticas ancestrais, distinguidas como Património Agrícola Mundial.

Tudo isto são, de facto, vantagens e virtudes próprias de Montalegre. Mas o que não vem escrito nesse artigo é o que aí vem. É o futuro que o poder central e o executivo municipal parecem idealizar para esta terra. Aquilo que se mantém no silêncio é a gritante questão do lítio.

Com a Agência Portuguesa do Ambiente a dar “luz verde” à exploração mineira de uma empresa estrangeira no Barroso, para onde vai a gastronomia? O que será dos bovinos de raça barrosã quando a erva que pastavam der lugar a um imenso buraco rasgado no chão? Quem vai querer comer cozido e fumeiro de uma região com as águas contaminadas? E quando essa água for precisa para alimentar a mina e a barragem voltar a secar? A fauna e a flora vão ser alimentadas a energia eléctrica? E quando as nascentes deixarem de brotar, para onde vai o Património Agrícola Mundial e o Parque Nacional?

Só darão voz ao povo de Montalegre para cantar a sua marcha e não para decidir o seu futuro? Estes “persistentes”, filhos de gerações e gerações que arrancaram o pão da penedia da serra e do frio do Inverno, não irão também persistir na defesa da sua terra? Estes “hospitaleiros”, calorosos anfitriões de cada sexta-feira 13, abrirão as portas a quem, com fito no lucro, quer reduzir o concelho a uma deserto árido e envenenado?

Há 750 anos, o foral materializou o acordo entre os povoadores de Montalegre e o rei. Aqueles pagavam impostos, mas eram protegidos por este. Esta protecção dissuadia as violências cometidas pelos senhores nobres sobre os montalegrenses. Hoje o equilíbrio é outro. O poder central, os interesses privados e, novidade, alguns poderes locais parecem juntar-se contra o povo barrosão.

Em 1253, D. Afonso III, na senda dos seus antecessores, procurava povoar as terras raianas, sempre depauperadas de gente. Hoje, em pleno século XXI, quem governa parece adoptar a estratégia inversa: segundo a Pordata, entre 2001 e 2022, o município de Montalegre perdeu exactamente 3500 habitantes, cerca de 28% da sua população.

Se, na tão actual quão distante Idade Média era possível, também o é em 2023. O futuro do Barroso está nas mãos do seu povo e daqueles que foram eleitos para o defender os seus interesses. Está na hora de agir, de inverter a rota, de alavancar a prosperidade desta região com base naquilo que a cobiça alheia pretende destruir: o património, a natureza e o povo.

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