Reacções à morte de José Pinho: “Quem ama os livros pratica os livros”

Várias personalidades do mundo cultural e da política têm, desde ontem, lamentado a morte do livreiro e dinamizador cultural.

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José Pinho fotografado na Livraria Férin em 2017 Nuno Ferreira Santos

Um pouco do Zé Pinho

“A luz do Zé Pinho foi-se. Sempre me impressionaram aqueles olhos claros, sobrancelhas espessas, de sorriso e empatia constantes, sempre feliz por partilhar uma ideia nova, um novo projecto, um povoado. Foi isso que fez na Ler Devagar do Príncipe Real, e depois na LX Factory, onde construiu aquela escultura díspar de livros, novos, usados, fundo de catálogo, prendas inesperadas. Lancei lá dois livros, e senti-me no meu elemento. A minha avó foi alfarrabista, e nunca me esqueci do cheiro dos livros que folheava, nas horas em que lá ficava”, escreveu Sérgio Godinho, num post na rede social Facebook.

“Quem ama os livros pratica os livros. Foi o que o Zé fez quando inventou o Fólio de Óbidos. Sempre se disse (acho que fui eu), que o Zé Pinho começava as casas pelo telhado. Isso poderia ser preocupante em si, mas nele acreditava-se no que ele acredita. Por baixo do telhado ia preenchendo os espaços, úteis por função e utilidade. Ele sempre juntou essas duas características. Sabia que a função da cultura era tanto de ser útil, como gratuita. E assim se deslocava, como se nada tivesse sido. Um rasto de luz. Faz-nos falta, Zé Pinho. Agradecemos.”

"Um dos melhores amigos dos livros e da leitura em Portugal"

O Presidente da República considerou esta quarta-feira que a morte do livreiro José Pinho, fundador da Ler Devagar, representa "a perda de um dos melhores amigos dos livros e da leitura em Portugal", numa nota publicada nesta quarta-feira no site da Presidência da República. "Que o seu exemplo possa ser prosseguido e favorecido", escreve Marcelo Rebelo de Sousa.

"Em qualquer época, mas sobretudo numa época em que a cultura do livro enfrenta sérios desafios, a existência de livreiros esclarecidos, inventivos e combativos é essencial. E poucos livreiros o foram em tão alto grau, e com um lado saudavelmente aventureiro, lúdico, sedutor, como José Pinho, que pude condecorar há poucas semanas, como reconhecimento do seu mérito e contribuição para a Cultura portuguesa. Fundador da Ler Devagar, primeiro no Bairro Alto, e com várias outras encarnações, e há vários anos no espaço emblemático da LX Factory, e fundador do Festival Literário de Óbidos e da Rede de Livrarias Independentes, era impossível encontrá-lo sem que nos contasse mais um projecto, projectos sempre muito ambiciosos mas, no fim de contas, realizáveis", conta ainda.

"Com a Ler Devagar, recuperou o infelizmente desusado conceito de livraria de fundos, defendendo, em contraciclo, a diversidade e a pluralidade de géneros literários e a atenção a médias e pequenas editoras; com o FOLIO, apostou no estabelecimento de uma 'vila literária', onde as livrarias generalistas e temáticas conquistavam espaço a edifícios antigos; com a ReLI, militou pelos editores e livreiros independentes, pelos alfarrabistas, por um ecossistema do livro duramente atingido por vários factores conhecidos, mas não inevitáveis."

O homem que inventava livrarias

“Que perda grande a deste homem que inventava livrarias e fez em Portugal algumas das mais belas do mundo. Enorme exemplo foi e continuará a ser José Pinho. Que nunca o esqueçamos”, escreveu no seu Facebook o historiador e deputado Rui Tavares.

"Não haverá outro Zé Pinho, não há volta a dar-lhe"

“Já sabíamos, desde que soubemos o diagnóstico, que o Zé Pinho tinha os dias contados. A expressão é feia, é dura, é o que é. O Pinho sabia disso, que não lhe restava muito tempo, que a saída estava para breve e talvez contasse os dias com aquele gozo muito dele. A morte adora surpreender, mas aposto que desta vez foi surpreendida. Encontrou pela frente um rapaz que já foi pastor de cabras, director-geral de empresas, livreiro e festivaleiro. Alguém atrevido, que a fintava, que corria à frente dela, que se ria desvairado, apaixonado, louco por isto tudo. Que raio de gajo é este?, terá ela pensado”, recorda também nesta rede social Isabel Minhós Martins, uma das fundadoras da editora Planeta Tangerina.

“O Zé Pinho era um bocadinho louco e essa loucura faz tanta, tanta falta. Ao mundo, ao país, às nossas tristes vidinhas. Entre fintas e rasteiras, já no tempo de desconto, imagino-o a dizer dos dias conquistados: estes já ninguém mos tira! E é verdade, nem a morte nos rouba os dias assim vividos, inventados, caóticos, cheios de amigos, gozados. Dias dele, dias nossos. Não haverá outro Zé Pinho, não há volta a dar-lhe. Era uma pedra rara, tinha um brilho alucinado, era o Pinho. A morte não tem graça nenhuma, mas o Pinho, o que o Pinho foi e o que o Pinho nos deu já ninguém nos tira. Fique ela sabendo", acrescenta a escritora de literatura infantil.

José Pinho deu "tempo aos livros"

"Incansável e combativo, inovador e agitador, José Pinho abraçou inúmeros projectos, desde livrarias a festivais literários, que deixaram uma marca que não se limitou às cidades que mais de perto abraçou, Lisboa e Óbidos, mas que teve verdadeiro impacto em todo o país", destacou o ministro da Cultura, numa publicação divulgada na página do Ministério da Cultura na rede social Twitter. José Pinho foi, “acima de tudo, um homem que a partir dos livros ou a propósito destes dinamizou e animou a cultura portuguesa". Pedro Adão e Silva destacou ainda que os inúmeros projectos de José Pinho "foram - e são - uma extensão da sua personalidade e de uma atenção muito própria aos livros e, em particular, ao acto de ler".

E acrescentou que “tanto nas livrarias que fundou como nos festivais e eventos que promoveu, há uma ideia transversal: a de que o livro e a leitura merecem e precisam de tempo. E foi isso que José Pinho sempre fez e é esse o agradecimento que lhe devemos, o de ter dado tempo aos livros."

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"Livreiro heterodoxo"

O escritor e jornalista espanhol Jorge Carrión, autor do livro Livrarias (Quetzal), lamentou a morte de José Pinho no Twitterna manhã desta quarta-feira. “Acordei com a notícia de que José Pinho, livreiro heterodoxo, grande gestor cultural, alma de @LerDevagar e de @obidos , uma pessoa querida, esteve no Encontro Internacional de Livreiros que organizamos em San Sebastián, sentiremos a sua falta.”

"Já está a abrir uma livraria nos céus"

“Não morreu José Pinho (1953-2023). Com ele, está um mundo extraordinário de livros, amigos, ideias cumpridas e por cumprir, viagens, sobressaltos, aventuras, amores, vidas vividas e por viver — o José deixou-nos por um tempo. Já está a abrir uma livraria nos céus”, homenageou o escritor e editor Francisco José Viegas na rede social Twitter.

O livreiro do "sorriso azul"

“Esse sorriso azul não nos acompanhará mais”, lamentou Pilar del Río na rede social Twitter. “Zé Pinho, o grande #JosePinho, autor de livrarias, feiras de livros e de lugares de encontros literários, partiu sem cumprir o sonho de alcançar os 50 anos da Revolução Portuguesa”, acrescentou a presidente da Fundação José Saramago.

José Pinho "fazia toda a diferença"

“Há muita coisa que se pode e deve dizer de José Pinho. A seu tempo se dirá. Mas agora, a seguir à sua morte, basta dizer que José Pinho era um homem que fazia a diferença. Na cacofonia dos quinze minutos de fama que enche os suplementos literários, as redes sociais, os ‘influenciadores’, os mil e um patetas inúteis da nossa multidão de celebridades ‘culturais’ que tem a profissão do subsídio, José Pinho fazia não apenas a diferença, fazia toda a diferença. Porque fazia e porque fazia com um genuíno impulso pelas coisas que gostava, a começar pelos livros”, escreve José Pacheco Pereira.

“O Arquivo/Biblioteca Ephemera deve-lhe muito. Foi nosso amigo, nosso parceiro e com ele fizemos muitas coisas, menos do que ele e nós certamente desejávamos. Foi por ele que tivemos e mantemos um espaço na Livraria Ler Devagar, foi por ele que participamos no Fórum de Óbidos e em Lisboa, foi por ele que realizamos várias iniciativas nas livrarias Ler Devagar e na Ferin, foi por ele que conversamos sobre os seus muitos projectos para o Bairro Alto, foi para ele que lhe demos um último abraço, quando já muito debilitado mas com enorme coragem, recebeu a medalha atribuída pelo município de Lisboa. Se existir Paraíso, ele lá estará a abrir livrarias para os homens justos e os injustos perdoados, lerem”, lembra ainda o historiador no site da Ephemera.

"Levou mais longe a nossa literatura através do Lisboa 5L"

“Na partida de José Pinho lembro com emoção o homem que não deixou desaparecer a Livraria Ferin, que fundou a icónica Ler Devagar, criou o ReLI e o Centro Cultural e Social do Bairro Alto e que levou mais longe a nossa literatura através do Lisboa 5L. A cidade e os lisboetas estão-lhe profundamente agradecidos por tudo o que fez e que, ainda há bem pouco tempo, me levou com muita honra a atribuir-lhe a Medalha de Mérito Cultural da CML”, recorda o presidente da Câmara Municipal de Lisboa Carlos Moedas.

"Legado inesquecível"

O presidente da Assembleia da República lamentou a morte do livreiro José Pinho, considerando que deixa um "legado inesquecível" como fundador de festivais literários em Portugal e na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). "Lamento o falecimento de José Pinho. Livreiro e fundador de festivais literários, deixa um legado inesquecível, quer em Óbidos, quer no país e na CPLP", escreveu Augusto Santos Silva na sua conta na rede social Twitter.

"O colectivo era o seu reino"

"José Pinho, o Pinho, envolvia pessoas, misturava pessoas, criava livrarias, criava festivais, fervilhava. Tinha um riso de menino que brinca à bola e se deslumbra. Trabalhei com ele no Folio, eu e mil, porque ele era de mil pessoas. O colectivo era o seu reino. Não consigo pensar no Pinho senão a fintar a morte e a dizer ao médico: três meses não me chegam, preciso de mais tempo para fazer ainda aquilo", evoca a jornalista e escritora Anabela Mota Ribeiro num post do Facebook que fez acompanhar de uma pintura de Lucien Freud que "transmite a paixão da sua vida: pessoas, livros."

Dois reis

O escritor Rui Zink evoca “dois reis” - Hermínio Monteiro e José Pinho - num post na rede social Facebook. “José Pinho (1953-2023). O tipo que veio ocupar o lugar deixado vago pelo Hermínio. Não o profissional – Hermínio Monteiro era editor, da Assírio e Alvim, o Zé Pinho era livreiro, da Ler Devagar –, antes o humano”, lembra. “Curiosamente, ambos morreram quase na mesma semana (o Hermínio foi a 3 Junho 2001, o Zé Pinho foi hoje), e ambos no início da Feira do Livro. Ambos deixaram monumentos e ambos fizeram obra que antes deles não havia (não daquela maneira) e depois passou a haver. Para quem não sabe, a Ler Devagar é hoje considerada uma das mais fascinantes livrarias do mundo. E eram dois optimistas que cativavam (às vezes em demasia) quem quer que encontrassem. Vendedores poetas, digamos. E digo isto na melhor acepção de 'poetas'.”

Um agitador

"Agitou o sector das livrarias independentes. Agitou o sector dos festivais literários e teve a ousadia de ir contra os vaticínios de fracasso certo, criar uma vila literária. Agitou o mundo dos livros com a teimosia de insistir nas ideias, na literatura, na arte, nos sonhos, tudo aquilo que deveria ser o seu alicerce fundamental. O mundo precisa de sonhadores assim. Felizmente este deixou muita obra feita”, recorda Clara Capitão a directora editorial da Penguin Random House Portugal na rede social Facebook.

"Continuaremos a seguir-te pelos telhados"

“O José Pinho. A sua energia alegria indomável e contagiante. O Sérgio Godinho disse que o Zé começava as casas pelo telhado. E era exactamente assim. Como naquele poema do Miguel Manso que diz que ‘estão a construir um bar/ e começaram pela música’. Era pela música do Zé que nós seguíamos nos inúmeros projectos para que ele nos desafiava”, recorda o ex- secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Média Nuno Artur Silva no seu Facebook. “Tive a sorte de ter estado com ele no início do Folio, quando ele me convidou a mim e ao José Eduardo Agualusa para essa aventura improvável que ele ousou concretizar. E mais uma série de vezes, a última das quais a recente edição do Lisboa 5L que ele dirigiu e inspirou até ao fim. Adeus, Zé. Continuaremos a seguir-te pelos telhados.”

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