Três provas de vinhos memoráveis para o currículo da Casa
No Vinho da Casa foram 21 vinhos do Porto, vinhos brancos e tintos, escolhidos para uma plateia de interessados. Foram viagens no tempo, por entre encontros com vinhos raros e de classe mundial.
Três provas, 21 vinhos de classe superior, vindimas desde o remoto ano de 1888 até à actualidade, dois masters of wine a conduzi-las, dezenas de enófilos convictos e quase todos os produtores do Vinho da Casa presentes: se o salão de degustação propiciou a oportunidade rara de permitir a prova de vinhos que se encontram fora do mercado, as três masterclasses do evento, dedicadas ao vinho do Porto, aos brancos e aos tintos foram, naturalmente, ainda mais longe. Se é normal conceber a existência de rótulos de sonho que alimentam a paixão pelo vinho, as masterclasses trouxeram alguns deles aos sentidos das pessoas presentes.
A começar, logo no primeiro dia, uma prova de vinho do Porto. Sendo o evento na cidade, “é normal que se convoque um dos seus maiores emblemas”, nas palavras de Manuel Carvalho, o jornalista que orientou a prova. A ideia fundamental era um saudável confronto entre os dois principais estilos do vinho do Porto, os tawnie e os ruby. Para constituir a primeira equipa, formada por vinhos que crescem em cascos de madeira, convocaram-se o Ramos-Pinto 30 anos, o Taylor’s 50 anos e o ABF (acrónimo de António Bernardo Ferreira) da Quinta do Vallado de 1888; para os ruby, que evoluem em garrafa, foram chamados o Graham’s Vintage de 2005, o Noval Vintage de 1994 e o Ferreira Vinhas Velhas de 2016.
Mais do que um confronto de identidades, o que esteve em causa nesta prova foi a natureza de um vinho que, partindo de uma mesma origem, apresenta facetas diferentes em função da idade sem perder a alma comum. Num e noutro caso, o tempo vai sublimando o poder da fruta e da estrutura original para chegar a diferentes estágios de evolução. Nos vintages, as datas estavam baralhadas pelo poder do vintage mais velho, pela elegância do Noval dos anos de 1990 e de novo pelo poder do mais jovem. Nos tawnies, o tempo promove a evaporação da água e a concentração, pelo que o ABF do século XIX estava particularmente poderoso e intenso.
Nos brancos, a prova dirigida por Dirceu Vianna Júnior, um master of wine brasileiro, começou na vindima de 2020 (Loureiro Private de Anselmo Mendes e Coche da Niepoort) e viajou até um Bágeiras de 1994. Anselmo explicou a sua paixão pela casta Loureiro e Daniel Niepoort deu conta da magia que as vinhas velhas do Douro entregam aos brancos produzidos em zonas mais altas. Seguiu-se um encontro e uma discussão sobre a casta Encruzado, com um Villa Oliveira de 2019 da Casa da Passarella, sem dúvida um dos melhores representantes do potencial desta uva do Dão.
Susana Esteban levou à prova um extraordinário Procura de 2013, da serra de São Mamede, Alentejo. Uma década depois, o vinho revela uma surpreendente frescura e nervo, servindo como antecipação para que o Pêra Manca de 2007 da Fundação Eugénio de Almeida reafirmasse (se fosse caso disso) o potencial dos brancos do Alentejo para crescer em garrafa. Sobre esta questão dos brancos e do envelhecimento, a Bairrada costuma oferecer menos dúvidas e o Bágeiras de 1994 apresentou-se a um nível superior.
Na prova dos brancos, coube ainda um lugar de destaque ao Barbeito Verdelho de 1981, um Madeira de grande categoria para expressar não apenas o potencial das castas brancas nacionais, como o lugar singular que os grandes vinhos do arquipélago ocupam no mapa nacional.
A acabar, no último dia do evento, os tintos. Nem mais nem menos do que oito tintos de topo que produziram uma prova memorável. O ano de entrada começava em 2015, com o Honoré da Quinta do Crasto e o Dona Maria Grande Reserva de Júlio Bastos, e a prova viajou até 1992 com um Reserva Especial da Casa Ferreirinha feito exclusivamente com Touriga Nacional. Pelo meio, a masterclass passou por um magnífico Quinta da Manoella Vinhas Velhas de 2012, da Wine and Soul, por um Vale Meão de 2011 que confirma o perfil e os pergaminhos da marca mais de uma década depois de nascer, um Quinta do Ribeirinho de 2005, um vinho de uma vinha de pé-franco (sem porta-enxertos americanos, como era norma da viticultura europeia antes de o insecto filoxera arrasar as vinhas do continente no último quartel do século XIX), de Luís Pato, um Gloria Reynolds de 2002 e um Herdade do Mouchão Tonel 3-4 de 2001.
Peter Richards, o master of wine britânico que orientou a prova, confessou que aproveitaria o momento para saber mais sobre os vinhos de Portugal. A lição não poderia ser melhor. Não apenas pela diversidade garantida pelas diferentes regiões presentes ou pelos produtores, mas também pelas castas e pela prodigalidade de cada ano presente. Nesta como nas provas anteriores, ouviram-se palmas no final. Seriam merecidas pelos produtores, mas tinham certamente como destino os grandes vinhos em cena.