João Costa desmente Mário Nogueira. Quem “mente” é o ministro, responde sindicalista

Marcação de faltas injustificadas a professores que fizeram greve, e não só, azedam os ânimos entre o ministro da Educação e o secretário-geral da Fenprof. Marcelo ainda espera que haja acordo.

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Fenprof abandonou sessão negocial desta segunda-feira por não existirem "condições democráticas" LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

O ministro da Educação garantiu, nesta terça-feira, que "não há, nem houve" qualquer indicação para marcar faltas aos professores que fizeram greve em Março, "ao contrário do que foi dito pelo secretário-geral da Fenprof" e vincou que se houver irregularidades "serão corrigidas".

"Não é verdade que o Ministério da Educação tenha dado alguma instrução, como é óbvio, para se marcar faltas a professores em greve. Nós respeitamos o direito à greve e, portanto, nada disso foi dito, nada disso está em causa", reagiu João Costa, falando a jornalistas portugueses em Bruxelas, após o Conselho de Educação, Juventude, Cultura e Desporto.

A delegação da Federação Nacional de Professores (Fenprof) abandonou a reunião negocial que decorreu nesta segunda-feira antes que esta tivesse acabado formalmente. Há "falta de democracia" no Ministério da Educação, justificou Mário Nogueira em declarações aos jornalistas, apontando tanto as penalizações dos docentes que fizeram greve, como a postura negocial evidenciada pela tutela.

"Ainda bem que as reuniões são gravadas porque o senhor ministro está a mentir. Nunca foi dito por nós que o ministério estava a dar instruções às escolas para marcar faltas injustificadas aos professores que fizeram greve", reagiu Mário Nogueira em declarações ao PÚBLICO, depois de serem conhecidas as afirmações do ministro em Bruxelas. Aliás, precisou, "se fosse o ministério a ter dado indicações às escolas não seriam apenas dez as escolas que conhecemos" em que tal se passou.

Recurso à justiça

Segundo Mário Nogueira, o que foi dito na reunião com o ministro é que a marcação de faltas injustificadas aconteceu por iniciativa de directores ou de delegações regionais da Direcção-Geral de Estabelecimentos Escolares (Dgeste). "Até lhe li um mail que a Dgeste do Norte enviou a um agrupamento de Braga a dar conta que, na sua opinião, deveria ser marcada falta injustificada", prossegue Nogueira, frisando que já tinham apresentado outros exemplos na sessão negocial de 5 de Abril. O secretário-geral da Fenprof garante que o objectivo destes relatos era o de saber se o Ministério da Educação iria actuar para corrigir estas situações, porque seria "muito fácil" fazê-lo: "Mas a resposta que tivemos do ministro foi que recorrêssemos à justiça".

Em Bruxelas, João Costa reportou que "o que está aqui em causa é se houve ou não processos disciplinares e faltas injustificadas a professores que estavam em greve e aquilo que foi dito foi que aquela era uma reunião negocial sobre outra matéria, e não era um espaço para estar a avaliar da legalidade ou ilegalidade dos processos". Quando questionado sobre o anúncio da Fenprof de que iria ao Departamento de Investigação e Acção Penal, nesta quinta-feira, para identificar as escolas em que tal está a acontecer, João Costa indicou que "obviamente que se houver algum processo de falta injustificada no mero exercício do direito à greve, está-se perante uma irregularidade e que tem de ser corrigida", pelo que urge agora "saber se as faltas são a serviços mínimos convocados ou se é apenas [pelo exercício] da a greve".

Em causa está a paralisação convocada pela Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública para 17 de Março e que, nas escolas, coincidia com a greve por tempo indeterminado convocada pelo Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (Stop), que ainda decorria. Para a segunda, tinham sido decretados serviços mínimos, mas não para a primeira.

Em declarações aos jornalistas, no final da reunião desta segunda-feira, Mário Nogueira disse que o ministro da Educação confirmou que professores que fizeram greve nesse dia estariam a ser alvo de faltas injustificadas e processos disciplinares. Ao PÚBLICO, o secretário-geral da Fenprof reiterou que ainda não tinham recorrido à justiça porque pensavam que a situação seria resolvida pelo ministério.

Adiantou também que informou o ministro de que tinham já "um parecer do Ministério Público a dar como ilegais os serviços mínimos que foram convocados para as greves de 2 e 3 de Março", convocadas pela plataforma sindical de que faz parte a Fenprof. "É a opinião de um mero procurador-adjunto", terá respondido João Costa.

Esta terá sido a gota de água que levou a delegação da Fenprof abandonar a reunião, quando esta estava praticamente a chegar ao fim. "Não existiam condições democráticas para continuarmos na reunião", justifica Nogueira, acrescentando que já antes o ministro da Educação tinha "posto em causa o direito à negociação".

Negociações para quê?

A reunião negocial de segunda-feira, que se realizou a pedido das organizações sindicais, incidia sobre uma proposta do Governo para corrigir assimetrias decorrentes do congelamento da carreira, através de um conjunto de medidas para acelerar a progressão dos docentes que trabalharam durante os dois períodos de congelamento, entre 2005 e 2017. Da proposta do Governo não faz parte a principal reivindicação dos professores: a contagem integral do tempo de serviço prestado no congelamento.

As negociações para a "aceleração" na carreira foram alvo de quatro rondas negociais. Segundo o relato de Mário Nogueira, que é secundado pelo de outros sindicatos presentes, o ministro esperou que as nove organizações sindicais presentes expusessem as suas posições, que passaram por questionar o ministério sobre a inexistência de um novo documento, para dizer que "se tinha esquecido de comunicar no início que esse documento não existia porque a proposta final é a que foi apresentada no primeiro dia das negociações". "Então para que serviram as quatro reuniões?", questiona Nogueira.

Reagindo ao desfecho da reunião desta segunda-feira, Marcelo Rebelo de Sousa indicou, em declarações aos jornalistas, que espera "que até ao fim seja possível, com boa vontade de um lado e do outro, chegar a uma conclusão que permita a realização das avaliações finais e que se não entre no próximo ano lectivo com o espírito de mais um ano perdido parcialmente na escola portuguesa”. “Não podemos correr o risco de ter um fim de ano lectivo que, para muitos alunos, seja sacrificado e que crie ou aprofunde desigualdades", alertou.

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