Alterações climáticas estão a mudar padrões de migração das aves

Mudanças de temperatura e falta de alimento são as principais razões para as alterações já observadas.

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Os maçaricos-de-bico-direito são uma das espécies que se deslocam entre África e o Norte da Europa e passam por Portugal nessa migração Nuno Ferreira Santos

As alterações climáticas estão a mudar padrões de migração das aves, especialmente devido às temperaturas mais altas no norte da Europa, diz o director executivo da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), Domingos Leitão.

Em entrevista à agência Lusa a propósito do Dia Mundial das Aves Migratórias, que se assinala este sábado, o especialista explica que qualquer migração é provocada pela reacção ao meio, como a temperatura baixa ou a falta de alimentos, e que devido às alterações climáticas as temperaturas mais amenas no norte da Europa têm levado espécies a não migrar ou a fazê-lo mais tarde e por períodos mais curtos.

Portugal é um destino de passagem de aves do norte frio para países quentes de África, no Outono, e o percurso inverso na Primavera. Mas também de aves que nidificam nesta região do mundo e passam o Inverno em África, ou que nidificam na Primavera árctica e passam o Inverno no sul da Europa. Mas Domingos Leitão nota que, por exemplo, a cegonha branca ou já se mantém em Portugal todo o ano ou voa até Marrocos e não para a África subsaariana como antes.

A cegonha branca viu a sua população crescer de 1500 para 15.000 casais nos últimos 40 anos, com o fim do uso do pesticida DDT na agricultura, (que matava os animais que lhe serviam de alimento) mas também pelo aparecimento do lagostim-vermelho-do-Louisiana, uma espécie invasora que a cegonha e outras aves comem.

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Muitas cegonhas deixaram de migrar no Inverno, permanecendo em Portugal o ano todo ADRIANO MIRANDA

Esta recuperação da população de cegonha branca, admite Domingos Leitão, pode estar mais ligada a questões da alimentação e não a questões ligadas às alterações climáticas.

Já o pombo, uma ave granívora, que se alimenta de sementes, afectado pela agricultura intensiva, usufrui de temperaturas mais amenas no norte da Europa e não chega na mesma quantidade a Portugal. As andorinhas (há cinco espécies em Portugal mas só uma é residente) são insectívoras e porque há menos insectos elas também estão em diminuição acentuada na Europa nos últimos 50 anos.

É o caso da andorinha-dos-beirais, que nidifica em Portugal e passa o inverno na África do Sul. É afectada pela falta de insectos devido ao uso de substâncias químicas na agricultura e pelas alterações humanas de grandes áreas ao longo da viagem.

Também a tarambola-cinzenta nidifica no Árctico e passa o inverno na África do Sul, passando por Portugal na Primavera e no Outono. São aves a fazer ao todo, como a andorinha-do-mar, mais de 10 mil quilómetros duas vezes por ano.

Precisam, segundo o responsável, de zonas húmidas ao longo da rota, para descansar e para se alimentarem, o equivalente às estações de serviço nas auto-estradas para os humanos. "E se essas zonas húmidas diminuem elas não conseguem chegar ao destino e por isso são as mais ameaçadas".

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Flamingos no estuário do Tejo, mais uma espécie migratória que passa por Portugal Daniel Rocha

Mas não tem havido, nota, preocupação em manter boas "zonas de descanso". Parques eólicos em Gibraltar matam aves planadoras e estão mais parques eólicos a ser instalados em países como o Egipto ou na região do vale do Rift.

"Se o estuário do Tejo desaparecesse ficava em risco de desaparecer 20% da população de tarambola-cinzenta e 40% da população de maçarico-de-bico-direito", diz Domingos Leitão, frisando que ao proteger essas estruturas está-se a proteger também ecossistemas e, sobretudo, serviços que as populações humanas utilizam.

O Dia Mundial das Aves Migratórias, que se assinala também a 14 de Outubro para reflectir a natureza cíclica das migrações (celebra-se sempre duas vezes por ano, nos segundos sábados de Maio e Outubro), tem em 2023 como tema "Água: vital para as aves", alertando que a grande maioria das aves migratórias depende de ecossistemas aquáticos e que as zonas húmidas são vitais para as aves que migram se alimentarem e descansarem, de viagens que por vezes vão do Árctico à África do Sul.

Domingos Leitão lembra na entrevista à Lusa que há migrações de pequena escala que são menos conhecidas, e que mesmo em Portugal espécies que se consideram sedentárias fazem movimentos de pequena escala, como a abetarda, cujos machos migram todos os anos do interior para o litoral.

O padrão de migração mais conhecido é o de Norte para Sul, mas em países como a Argentina ou África do Sul observa-se a migração ao contrário, e há migrações relacionadas com a água ou com a chuva.

Curtas ou longas, de norte para sul ou ao contrário, Domingos Leitão diz que são um fenómeno extraordinário. E lembra que desde sempre existiram crenças e lendas associadas a aves. Que a cegonha transporta os bebés é só uma delas.

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