Não há problema em ser solteiro, Jesus também era, diz Igreja Anglicana

Os líderes da Igreja parecem olhar através de uma lente mais moderna quando se trata de ensinamentos religiosos tradicionais sobre relações e construções familiares.

Foto
O arcebispo de Canterbury a presidir à cerimónia de matrimónio de Harry e Meghan Reuters/POOL/Arquivo

As pessoas solteiras devem ser celebradas e não vistas como "inferiores" às casadas, declara a Igreja de Inglaterra num novo relatório de 200 páginas intitulado "Love Matters". Afinal de contas, observa, Jesus também era solteiro.

O relatório, publicado na quarta-feira por uma Comissão da Igreja sobre Famílias e Agregados Familiares, exorta as pessoas a honrarem as pessoas solteiras e os agregados familiares de pessoas solteiras — e a estarem abertas a uma sociedade que permita a todos prosperar, incluindo os solteiros.

"A Comissão acredita firmemente que as pessoas solteiras devem ser valorizadas no seio da nossa sociedade", diz o relatório. "A própria situação de Jesus como solteiro deve garantir que a Igreja de Inglaterra celebra esse estado civil e não o considere inferior a uma relação de casal." A comissão foi formada pelos arcebispos de Canterbury e York.

O relatório refere que na sociedade, um "número crescente de pessoas" não tem uma relação ou vive com familiares — e que ser solteiro "pode ser uma escolha deliberada".

Um indivíduo pode não estar numa relação por inúmeras razões, continua o relatório. "Por vezes, o parceiro certo não foi encontrado e, por vezes, a separação, o divórcio ou a morte resultaram na perda de um parceiro", argumenta o documento.

O número de pessoas que vivem sozinhas no Reino Unido está a aumentar. De acordo com o britânico Instituto Nacional de Estatísticas, a Grã-Bretanha testemunhou um aumento de 8,3% de pessoas que vivem sozinhas de 2011 a 2021. As famílias com uma pessoa variaram de quase 26% do total em Londres a 36% na Escócia. Em Portugal, segundo o último Censos, dos 10.343.066 portugueses, 4.495.408 são solteiros (43,4%),

Os líderes da Igreja parecem olhar através de uma lente mais moderna quando se trata de ensinamentos religiosos tradicionais sobre relações e construções familiares.

Há muito que a Igreja de Inglaterra ensina que o casamento é um dom de Deus e que tem como objectivo a procriação e criar filhos na fé cristã. Em 2019, a orientação da igreja observou que o sexo fora do casamento é "considerado aquém dos propósitos de Deus para os seres humanos" e que "para os cristãos, o casamento — que é a união vitalícia entre um homem e uma mulher, contratada com a emissão de votos — continua a ser o contexto adequado para a actividade sexual".

O relatório de quarta-feira observa que "ser solteiro não implica necessariamente o celibato, embora esta seja a escolha de algumas pessoas solteiras em comunidades religiosas".

De acordo com o governo britânico, as pessoas que vivem sozinhas têm mais probabilidades de se sentirem menos seguras financeiramente, do que os casais, e de registarem níveis mais elevados de ansiedade.

O relatório da Igreja Anglicana também explora a crise do custo de vida que abala a Grã-Bretanha e aborda questões globais, incluindo a guerra da Rússia na Ucrânia e as consequências da pandemia do coronavírus.

Os defensores do casamento entre pessoas do mesmo sexo argumentam que ainda há muito trabalho a fazer. Em Janeiro, a Igreja Anglicana provocou indignação ao anunciar, após anos de debate e consultas, que não permitiria o casamento de casais do mesmo sexo nas suas igrejas.

A Igreja afirmou que o seu ensinamento de que o casamento é entre "um homem e uma mulher para toda a vida" não se alteraria, mas que os casais do mesmo sexo são bem-vindos para que as suas uniões civis sejam abençoadas.

Em 2018, o príncipe Harry e Meghan Markle casaram na Capela de São Jorge, no Castelo de Windsor. Mas não muito antes disso, tal casamento — incluindo a cerimónia, o oficiante e o local — teria sido impossível. A igreja ter-se-ia oposto à sua união pelo facto de Markle ser divorciada e o seu antigo marido ainda estar vivo. "Este é um momento histórico para uma instituição britânica fundamental", referiu na altura o The Washington Post.

Em Fevereiro, a Igreja disse que estava a estudar a possibilidade de utilizar uma linguagem neutra em termos de género, em vez de se referir a Deus apenas com pronomes masculinos, como "Ele" ou "Pai Nosso". Qualquer mudança seria importante após séculos de oração e ensinamentos e necessitaria da aprovação do Sínodo Geral da Igreja de Inglaterra.


Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Tradução: Bárbara Wong

Sugerir correcção
Ler 2 comentários