Ler é revolucionário
23 de abril de 2023, Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor.
Creio nos livros. Contra todos os reveses, quem tem de escrever vai continuar a fazê-lo porque – acredito – vive melhor a escrever. É ofício de paixão e necessidade física, talvez de um otimismo meio doido. E é um ato de liberdade.
O ângulo dita tudo. Escolho este ângulo – há bons leitores (que sempre puxam outros leitores), há bons editores, continuarão a nascer bons escritores, há vontade férrea de multiplicar os poderosos imaginários que um livro abre. A imagem mental é a imagem de maior força.
Sobre o presente e futuro do livro, a dança entre avaliação editorial e marketing está equilibrada? Como se mantém a diversidade num momento de grande concentração editorial? Que tempo de vida se dá, hoje, a um livro? Como encontrar o livro certo, quando há superabundância de livros? E como encontrar o livro certo, quando não existe acesso fácil a livros? (Arrisco a resposta – bibliotecas itinerantes e professores apaixonados pelos livros mudam vidas.)
Como se trabalha a leitura como músculo que não desiste no primeiro treino e descobre o prazer? Como se transforma a literatura em tempos que se transformam? Como se aproximam leitores – principalmente os jovens – ao invés de afastá-los com armadilhas de superioridade de qualquer tipo?
O livro não precisa de altares, precisa de leitores. E como se formam leitores num tempo tão acelerado, fragmentado, de atenção dispersa, com inclinação para a gratificação instantânea? Como se cultiva a celebração do clássico e a curiosidade pelo que é novo? Como se mantém a memória viva? Como não se cai no desencantamento para só ver brilho no que já passou? E como impedir a crescente simplificação e higienização da palavra que não formará ninguém melhor?
Sobre a eterna questão da qualidade – ler demasiado cedo (no sentido de treino de leitura, não de idade) um livro muito complexo pode ser desencorajador. Ler repetidas vezes algo que já não transforma nada em quem lê – só entretém – pode ser desencorajador. E aí procuram-se saltos no pensamento, outras dimensões. Como amparar o leitor neste caminho com uma política consistente do livro? Como dar mais espaço ao livro nos media? Como abrir mais a língua portuguesa ao mundo? Como multiplicar incentivos e defender condições dignas para que criar não seja um ato de luxo? Como integrar mais arte e economia? É que a sobrevivência de autores, editores, livreiros assenta nos hábitos de leitura que se conseguem incitar. E, desconfio, a nossa sobrevivência depende – também – de capacidades que desenvolvemos enquanto leitores.
Ler é revolucionário. Uma sociedade que lê pode defender-se melhor, ser mais criativa, empática, dar saltos mais altos no trampolim. Uma sociedade que lê, quanto mais lê, cresce em dúvidas. Talvez coincidindo numa certeza – mais importante do que a literatura é cuidarmos uns dos outros.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico